O governo enviou um plano para transferir R$ 200 por mês a pessoas de baixa renda como forma de mitigar os impactos da crise. O Congresso aumentou o valor para R$ 600. A tomada de decisão sob pressão levou a uma proposta com problemas técnicos, que está retardando o envio dos recursos à população necessitada. 

Está claro que a resposta a esta crise exige recursos muito além dos previstos pelo orçamento, mas existem várias restrições. 
 
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) disciplinam a gestão orçamentária, até pelos muitos problemas do passado. A Regra de Ouro impõe um limite máximo para a emissão de títulos públicos. Existe uma terceira restrição fiscal, a regra do Teto de Gastos, mas ela é automaticamente suspensa em tempos de calamidade (os gastos para o enfrentamento da pandemia não entram na base do cálculo do teto).

Para superar algumas dessas restrições, o Ministério da Economia pediu uma liminar ao STF para suspender dispositivos da LRF e da LDO — mas se esqueceu da Regra de Ouro. 

Tardiamente, o ministério descobriu que precisava de novas medidas para viabilizar gastos adicionais com o auxílio de R$ 600 aos trabalhadores e as demais despesas que venham a ser criadas.

Essa breve nota descreve os mecanismos que podem ser utilizados para viabilizar a execução orçamentária e os programas emergenciais de transferência de renda.
 
I – A dificuldade legal para pagar o benefício de R$ 600

Existem três tipos de créditos orçamentários, que são as autorizações para inserção de uma despesa no orçamento:

a)       Crédito suplementar: amplia uma dotação orçamentária já existente (por exemplo: aumento dos recursos para uma obra);

b)      Crédito especial: abre uma dotação nova (por exemplo: criação de um programa público);

c)       Crédito extraordinário: usado em caso de despesas imprevisíveis e urgentes, como as geradas pela calamidade atual.

Novas despesas criadas por crédito suplementar ou especial devem estar submetidas à regra do teto de gastos.

Mas como se trata de uma despesa urgente, relativa à calamidade pública, o Poder Executivo poderia sancionar o projeto já votado e mandar para o Congresso um crédito extraordinário, o que permitiria que essa despesa ficasse fora do teto de gastos e fosse financiada mediante emissão de dívida.

Contudo, o endividamento necessário para financiar esse gasto vai superar as despesas de capital que estão no orçamento, levando ao desrespeito da Regra de Ouro.

A cláusula de escape para a Regra de Ouro, já usada no ano passado, se dá por meio da aprovação de créditos suplementares ou especiais (art. 167, inciso III da CF). Não está previsto, portanto, que se possa descumprir a regra de ouro por meio da aprovação de um crédito extraordinário. 

Mas se for utilizado crédito suplementar ou especial, descumpre-se o teto de gastos.

Não se trata de simples formalidade ou burocracia a emperrar a necessária liberação dos recursos.

É preciso entender que os servidores públicos que assinam as liberações de recursos e créditos orçamentários o fazem sob o risco de serem responsabilizados pessoalmente pelos seus atos. As medidas excepcionais tomadas durante a crise de 2008/9 geraram, posteriormente, processos no TCU até hoje não solucionados, em que servidores estão sendo responsabilizados por tomarem decisões a partir de leis aprovadas no Congresso e respaldados por pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Nesse sentido, as soluções precisam ter respaldo legal e definitivo, tanto do judiciário quanto dos órgãos de controle.

Possíveis soluções:

1)      Advocacia Geral da União recorre ao STF e buscar uma ampliação de medida recentemente concedida pela Suprema Corte, em que se suspendeu a efetividade de regras da LDO e da LRF.  Seria preciso solicitar, adicionalmente, a suspensão da exigência da Regra de Ouro durante o estado de calamidade pública.

Tal suspensão, se for concedida em caráter liminar e monocrático, deixa os servidores públicos responsáveis por assinar as medidas em situação de risco. O ideal seria uma decisão do pleno do STF. Um pronunciamento oficial do TCU, nos mesmos termos, também seria importante.
 
2)      Alternativamente se poderia fazer uma operação em 2 fases:

a)       O Executivo edita MP com crédito extraordinário criando a despesa do benefício e determinando o seu financiamento mediante cancelamento de despesas do orçamento ou usando eventuais fontes que estejam superavitárias  (com isso, pode gastar acima do teto);

b)      Em seguida, o Executivo manda ao Congresso um pedido de crédito suplementar, para descumprir a Regra de Ouro, na qual reintroduz no orçamento as despesas que foram canceladas pela MP do item acima, e recompondo as fontes para suas alocações iniciais, e indica como fonte de financiamento a emissão de dívida (com isso, pode descumprir a regra de ouro).

Essa opção é a mais delicada do ponto de vista de proteção legal dos servidores. Retirar do orçamento, ainda que temporariamente, uma despesa que se tem certeza que será executada, pode ter consequências jurídicas. Portanto, requer suporte das consultorias jurídicas e do TCU.

 
3)      Congresso aprova PEC suspendendo a Regra de Ouro durante a pandemia: essa seria a opção mais definitiva e juridicamente segura. Tem como desvantagem a possível demora em se fazer aprovar uma PEC nas duas Casas do Congresso.

 
II – A necessidade de envio de crédito suplementar ao orçamento de 2020, que é prévia à calamidade pública, decorrente do descumprimento da Regra de Ouro

Mesmo antes da calamidade pública já tínhamos problema de cumprimento da Regra de Ouro. Em 2019, por exemplo, foi enviado e aprovado um crédito suplementar para financiar despesas correntes mediante dívida, lançando mão da válvula de escape da Regra de Ouro.

Nesse ano de 2020, o orçamento foi aprovado com a necessidade de um crédito suplementar de R$ 340 bilhões para usar a válvula de escape da Regra de Ouro. Se esse crédito não for aprovado, não haverá orçamento para as despesas até o final do ano.

E o Executivo ainda não mandou esse crédito. A estimativa dos especialistas é de que o orçamento de 2020, sem esses créditos, dure até agosto.

Dada a necessidade de envio desse crédito suplementar, se for adotada a estratégia (2) do item acima (viabilizar o auxílio de R$ 600 via duas medidas, incluindo o envio de um crédito suplementar ao Congresso), já se deveria fazer tudo junto: um crédito com o valor necessário à execução do orçamento regular de 2020 mais o valor necessário para as despesas adicionais decorrentes da pandemia.