Ninguém gosta de pagar taxa de conveniência. Ela encarece a ida ao cinema, ao teatro e a eventos.
Mas se ninguém estiver disposto a criar e manter as plataformas que nos permitam comprar o ingresso sem sair de casa, essa conveniência não existiria.
Exceto, claro, na opinião da voluntariosa Justiça brasileira. Ontem, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que a cobrança da taxa de conveniência na venda de ingressos pela internet é ilegal.
Mais: a Turma ordenou que a tiqueteira devolva todas as taxas cobradas nos últimos cinco anos — mais uma vez dando razão ao gênio Roberto Campos, para quem, “no Brasil, até o passado é incerto.”
Os ministros do STJ adotaram uma lógica curiosa: para eles, a “conveniência” de vender o ingresso pela internet é do produtor do evento, e não do consumidor. Assim sendo, repassar esse custo ao consumidor seria uma “venda casada”, o que a lei obviamente proíbe.
Num livre mercado — sistema econômico muito admirado nos países avançados e nunca tentado no Brasil — funcionaria assim:
A Empresa A produz eventos mas não vende nem um ingresso online. Isso faz com que ela fature menos que suas concorrentes, e seus clientes vivem xingando a mãe do dono porque o imbecil “ainda não descobriu a internet”;
A Empresa B produz o show e vende os ingressos em sua plataforma própria, o que encarece muito o custo do ingresso porque, no final das contas, a empresa EMBUTE no preço os custos de desenvolvimento e manutenção da plataforma (sem sequer se beneficiar das economias de escala que teria se prestasse o srerviço para todo o mercado);
Finalmente, a Empresa C se contenta em apenas produzir o evento (sua área de expertise) e contrata uma tiqueteira independente para vender os ingressos. A tiqueteira — para fazer todos os investimentos em tecnologia de que precisa e ter uma margem de lucro — cobra uma taxa do consumidor. O consumidor fica p@#$& com a taxa, mas ainda assim está numa situação melhor do que nas duas anteriores.
A Justiça brasileira se orgulha de defender o consumidor e fazer respeitar direitos — isso quando não decide criá-los por conta própria — mas tem um péssimo histórico de entender as leis do mercado. Um Brasil dinâmico e capaz de gerar mais riqueza precisará de uma Justiça que entenda as leis da economia e aprecie o capitalismo.
Ninguém — nem os juizes do STJ — empreende atividade econômica sem que haja retorno. Os meritíssimos não trabalham de graça (recebem um salário no fim do mês). E, ao contrário do que querem obrigar os empresários a fazer, os juizes não arcam sequer com o custo de administrar a Justiça: desembargadores têm carro oficial e gasolina paga pelo cidadão.
Vamos testar a lógica do STJ em outros setores. Por exemplo, uma editora que vende o livro pela Amazon: a primeira empresa faz o livro, enquanto a segunda vende, entrega e… cobra por isso. Vamos obrigar a Amazon a trabalhar de graça ou a cobrar “apenas do editor”?
E os serviços de despachante? Também devem ser proibidos? Se a coisa pega, todos que facilitam o acesso a serviços não poderão cobrar.
A decisão esdrúxula do STJ é coerente com o Brasil que conhecemos — e que não sai do lugar. Diversos setores da ecomomia convivem diariamente com decisões que desafiam a lógica econômica ou de mercado. Para ficar no exemplo mais conhecido, todo dia algum juiz manda um plano de saúde cobrir um tratamento não previsto em contrato. O resultado: todos pagamos mais por isso.
Tudo na vida tem um custo; você só escolhe se paga por ele direta ou indiretamente. As chamadas tiqueteiras — empresas como a Ingresso.com, Ingresso Rápido, Ingresse — investem milhões de reais em tecnologia, sistemas antifraude e melhorias constantes da experiência do usuário. (Se cobram caro por isso é outra história, e o remédio para isto também não é a judicialização, e sim mais concorrência.)
O empreendedorismo empurra um país pra frente. Cabe à Justiça prevenir excessos e salvaguardar direitos — mas não tentar moldar a lógica econômica a uma doutrina.
O STJ precisa entender que as “leis de mercado” funcionam independentemente do que os juizes decidem, mas suas decisões podem distorcer ainda mais uma economia já disfuncional.
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O Brasil está parando. Entenda por quê.