Katharina Volz tinha terminado seu PhD em células-tronco em Stanford quando recebeu um telefonema inesperado: uma pessoa próxima a ela havia sido diagnosticada com o Mal de Parkinson — uma doença que afeta 10 milhões de pessoas no mundo, mas cujo tratamento ainda é um mistério para a ciência.

11237 44410b8c 399d 2c4f ea86 b2effae5216aO trauma pessoal fez a alemã de 32 anos tomar uma decisão radical: largar tudo e ir atrás de uma cura. 

Cinco anos — e muitas noites mal dormidas depois — Katharina está cada vez mais perto de conseguir o impensável. 

Sua startup, a OccamzRazor, desenvolveu uma plataforma de machine learning que varre as pesquisas científicas sobre a doença, extrai dados e os processa — permitindo à startup manter o Parkinsome, uma espécie de mapa do Parkinson. 

Para se ter uma ideia da massa de dados, a cada 5 segundos surge uma nova publicação científica no campo da neurociência. 

Com esse mapa em mãos, Katharina acredita ser capaz de descobrir os alvos certos a serem atacados pelo tratamento que ainda escapa aos cientistas, uma droga capaz de parar ou reverter a progressão da doença. 

“Se você não encontrar os alvos certos, tudo que você fizer em seguida vai falhar…,” diz Katharina. “Você pode ter a melhor molécula-mãe, pode ter o melhor anticorpo, pode ter a melhor abordagem baseada em edição de genes do mundo, mas a menos que você esteja fazendo os reparos no lugar correto, o estudo vai falhar.” 

A OccamzRazor deriva seu nome de um princípio de resolução de problemas segundo o qual a explicação mais simples é, geralmente, a explicação correta.

A startup trabalha alinhada com a Michael J. Fox Foundation (do ator de ‘De volta para o futuro,’ que sofre com a doença), e recebeu doações do fundador do Google, Sergey Brin, e do Nobel de Medicina Randy Schekman, que é conselheiro da startup. 

A OccamzRazor também já levantou US$ 5 milhões em equity de investidores como Jeff Dean, o chefe da divisão de inteligência artificial do Google, e dos fundos brasileiros Positive Ventures, focado em investimentos de impacto, e Lanx Capital, de Marcelo Medeiros e Marcelo Barbará.

Agora, a startup está no meio de uma nova rodada de US$ 7 milhões que vai financiar a conclusão das validações de seus estudos pré-clínicos. 

Depois de encontrar os alvos corretos para tratar o Parkinson, o plano é fazer um spinoff dessa subsidiária e vender parte ou toda ela para uma farmacêutica — que seria a responsável por tocar os estudos clínicos. 

A busca de Katharina terá terminado, pondo fim ao sofrimento de milhões de famílias.

Katharina conversou com o Brazil Journal de sua casa em São Francisco.

Quando você começou a estudar o Parkinson, qual foi sua percepção sobre a doença?

A primeira coisa que eu percebi é que só existiam tratamentos sintomáticos, o que significa que eles não estavam realmente parando ou revertendo a progressão da doença — só estavam mascarando os sintomas. O Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum do mundo, mas essa situação é igual para todas as doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, Huntington, etc). E o problema é que todos os estudos clínicos feitos até agora para tentar realmente encontrar uma cura (e não apenas atacar os sintomas) acabaram falhando. 

Por que esses estudos falharam? O que deu errado?

Eles ainda estão tentando entender essas doenças, que são muito mais complexas do que a covid-19 ou doenças contagiosas. Essas outras doenças são bem mais simples de entender, porque elas têm um mecanismo linear (‘linear disease mechanism’). Já as doenças com as quais estamos lidando, como o Parkinson, têm um mecanismo complexo (‘complex disease mechanism’), muito mais complexo do que qualquer ser humano é capaz de entender. 

O que as farmacêuticas estão tentando fazer é resolver essas doenças extremamente complexas e novas com o paradigma antigo usado no desenvolvimento de medicamentos. O paradigma antigo funcionou para as doenças antigas — temos muitos tratamentos bem sucedidos para essas doenças — mas claramente não está funcionando para as doenças novas e complexas, principalmente as neurodegenerativas. 

Se você olhar as estatísticas, você percebe que 71,2% dos estudos clínicos de doenças neurológicas falharam por motivos de eficácia. Se você olhar a mesma estatística para todas as doenças, um pouco menos de 50% dos estudos falharam na Fase 2 por motivos de eficácia. Então, a pergunta é a seguinte: o que está acontecendo no estágio de testar a eficácia dessas doenças? Essa é a fase em que eles estão testando se o alvo do medicamento (o ‘drug target’) — o lugar onde a droga teria que reparar o gene ou bloquear a molécula para gerar o efeito terapêutico — está funcionando. Esse é o lugar certo para parar a doença? Até agora, isso nunca aconteceu, o que explica porque todos os estudos clínicos falharam. 

Essa é a razão porque estamos tão focados em descobrir quais são os alvos certos que realmente vão fazer a diferença. Se você não encontrar os alvos certos, tudo que você fizer em seguida vai falhar… Você pode ter a melhor molécula-mãe, o melhor anticorpo, pode ter a melhor abordagem baseada em edição de genes do mundo, mas a menos que você esteja fazendo os reparos no lugar correto, o estudo vai dar errado. Por isso estamos focados em resolver esse problema. 

Como vocês estão tentando achar os alvos certos, na prática?

A cada 5 segundos, só no campo da neurociência, surge uma nova publicação científica, então é evidente que não temos condições de mapear todo o conhecimento que existe sobre uma doença de forma manual. Além disso, há um desafio muito grande na biologia, porque ela é extremamente complexa… se você olhar para o campo da física fundamental, se você olhar para o Hadron Collider em CERN (a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), por exemplo, ele produz um petabyte (o equivalente a 1024 terabytes) de dados, mas com esse petabyte você é capaz de reduzi-lo para uma quantidade limitada de equações fundamentais. Isso funciona para a física, mas não para a biologia. Na biologia, você não consegue reduzir a complexidade de dados em equações e depois usá-las para calcular coisas. 

A linguagem da biologia é um termo de ciência da computação chamado ‘graph’. Um ‘graph’ é na realidade uma rede de entidades — que são os ingredientes da biologia (o gene, as proteínas, as organelas celulares e as células metabolizadas) — e como elas interagem umas com as outras.  

Como eu disse, é impossível criar manualmente uma grande rede de como todas essas coisas interagem, todos os ingredientes da biologia, para identificar o que está errado no cérebro. Mas nos últimos anos, a tecnologia de machine learning, que é muito boa em fazer exatamente isso, evoluiu muito. Então o que construímos é uma grande rede que consegue capturar informações de diferentes fontes e formatos e, com isso, identificamos essas entidades e interações e depois mapeamos tudo, adquirindo um entendimento holístico de como a doença opera. 

Para fazer isso, é preciso um time muito especial, e trouxemos alguns dos maiores experts do mundo em machine learning, biologia computacional, neurociência e desenvolvimento de medicamentos. E esse time teve que descobrir como falar a mesma língua para construir esse sistema complexo. 

Depois de descobrir os alvos certos, qual será a estratégia de vocês para desenvolver os medicamentos? 

Sabemos que as farmacêuticas são muito boas em desenvolver medicamentos, elas são muito boas da Fase 1 dos estudos clínicos em diante. Onde elas realmente encontram problemas — e elas sabem disso — é nos estágios iniciais. Elas não sabem como encontrar os alvos corretos, e elas não sabem como encontrar os melhores subgrupos de pacientes para estudar esses alvos. E essa parte é exatamente onde nos destacamos. 

E como nosso objetivo é entregar o tratamento para os pacientes o quanto antes, nossa ideia é desenvolver os estudos até o estágio em que as farmacêuticas são boas. Isso significa que vamos fazer o spinoff de diferentes subsidiárias da holding OccamzRazor e desenvolver o estudo pré-clínico até um estágio próximo do início dos estudos clínicos. Depois, vamos fazer parcerias com as farmacêuticas para co-desenvolver o tratamento ou vender a subsidiária inteira para elas. 

Em outras palavras, vamos fazer as validações in silico (no computador) ou no laboratório e levar o estudo até o estágio em que já se tem evidência de que os alvos estão funcionando. Depois, vamos fazer parcerias ou vender essa subsidiária para uma farmacêutica, e ela vai levar o estudo clínico adiante e fazer todo o desenvolvimento do tratamento. 

Você disse que a plataforma pode ser usada para outras doenças além do Parkinson. Vocês já estão mapeando outras doenças nesse momento?

Isso. A plataforma foi construída para ser agnóstica. Nesse momento ela já está ingerindo dados de todos os tipos de doenças neurodegenerativas, até mesmo o neuroblastoma, a esclerose lateral amiotrófica (ALS) e a esclerose múltipla (MS). 

A gente olha para vários programas e para os diferentes perfis de riscos dessas doenças para decidir em qual investir mais. Algumas dessas doenças tem um modelo ou um cronograma melhor, outras têm oportunidades de negócios mais imediatas… olhamos para todos esses fatores.

É possível estimar uma data em que esperam chegar numa cura para o Parkinson? Qual a velocidade que você está imaginando que isso aconteça?

O primeiro ponto é que não existe ‘uma’ cura para o Parkinson. Existem curas para diferentes subformas de Parkinson. As pessoas consideram o Parkinson como só uma doença mas na realidade é uma doença que sempre tem sintomas semelhantes, mas causas diferentes. Então, o que fazemos na realidade é subagrupar os pacientes e individualizar os tratamentos para cada um desses subgrupos. É isso que estamos fazendo com nossa plataforma de machine learning: procurando os alvos corretos para cada subgrupo de pacientes. 

Então, ao longo do tempo, o que vai acontecer é que vamos ter diferentes ‘curas’ (ou na terminologia mais correta, tratamentos modificadores da doença, ou ‘disease modifying treatments’), para diferentes subgrupos de pacientes em diferentes momentos.

Sobre a velocidade com que isso vai acontecer, depende de muitos fatores, de como serão feitos os estudos clínicos… é muito difícil fazer qualquer previsão com acurácia para esse tipo de coisa.