Num momento em que o Brasil está sendo inundado por biografias corporativas, a Stone resolveu controlar a narrativa e escrever sua própria. 

A empresa fundada por André Street e Eduardo Pontes está lançando um livro para contar passagens de sua trajetória e mostrar a cultura por trás de seus US$ 27 bilhões de valor de mercado.

11328 67a3be68 ce60 2bec 670e e9f7f4f5dd50“5 segundos — o jeito Stone de servir o cliente” (e-book, 107 páginas, Companhia das Letras) é escrito na primeira pessoa por Augusto Lins, o presidente da Stone e um dos primeiros sócios da companhia, a quatro mãos com a jornalista Marcela Bourroul. 

Então com 50 anos, Augusto deixou o cargo de diretor comercial da arquirrival Redecard para entrar na Stone, que recém fizera um ano. 

“Na época, eu era disparado o mais velho de todos,” ele disse ao Brazil Journal. “Eu brincava que era impossível não me reconhecer, porque eu era o único de cabelo branco.”

Inicialmente, a ideia do livro era ser apenas um manual interno para apresentar aos novos funcionários a cultura da empresa, que Augusto resume em três pontos: foco no cliente, tecnologia e pessoas. Mas conforme o projeto foi ganhando corpo, ele achou que as lições poderiam servir também para outros empreendedores. 

“Não tenho a pretensão de contar toda a história da Stone, mas quero mostrar nosso jeito de fazer as coisas e como a cultura foi evoluindo ao longo do tempo.”

Abaixo, nossa conversa:

Qual foi o maior erro da Stone, na sua visão?

A gente teve vários erros ao longo da trajetória, mas acho que conseguimos desenvolver uma capacidade de reconhecer o erro rápido e agir em cima. Mas de todos os erros, o que mais me tocou, e conto isso no livro, foi um acontecimento no final de 2019, quando tomamos a decisão de terceirizar a nossa área de cobrança. 

Na época, tínhamos uma carteira de cliente que estava conosco há muito tempo e que estava com os pagamentos atrasados. Como não estávamos conseguindo dedicar tempo a isso, porque a empresa crescia muito, decidimos dar baixa naquilo e pedir ajuda para uma empresa de cobrança. O problema é que essa empresa pegou nossa carteira e começou a ligar para os nossos clientes usando um tom bem mais duro do que a abordagem que a gente usava. Os clientes ficaram insatisfeitos e vários ligaram reclamando… Mas na mesma hora identificamos isso, reconhecemos o erro e mandamos uma correspondência para os nossos clientes pedindo desculpas. O grande aprendizado disso foi reforçar a importância, o valor, da relação com os clientes. 

E o maior acerto?

Foi conseguir colocar toda a empresa acreditando que a coisa mais importante é o foco no cliente. O cliente é a razão da nossa existência e temos que conversar todo dia com ele… e não só a área comercial, mas todo mundo tem que conversar com os clientes diariamente para entender a realidade dele e se mover, mexer nos seus processos. O maior acerto foi conseguir disseminar isso por todas as áreas e colocar o cliente no centro das decisões. 

Essa questão do ‘foco no cliente’ é um ponto que distingue vocês dos grandes bancos, dos incumbentes, mas é um mantra que hoje em dia praticamente todas as startups têm. O que distingue vocês delas? 

Eu vou insistir nesse ponto. Falar que tem foco no cliente é muito fácil. O difícil é fazer isso na prática. Antes de cada passo, consultar o cliente, antes de cada mudança, parar e testar com quatro, cinco clientes, para pegar a opinião deles… Eu acho que o fato de termos um propósito muito claro, que é o de ajudar o pequeno e médio empreendedor, é um diferencial grande e ajuda nisso. Conseguimos montar um propósito e conseguimos atrair gente que acredita nesse mesmo propósito. Temos algumas causas que as pessoas entendem que são as causas delas também: brigar contra um oligopólio e fomentar o empreendedorismo. 

Como garantir que todos os milhares de funcionários estejam na mesma página?

Quando uma empresa como a nossa cresce, tem sempre dois grandes desafios: primeiro é o desafio da liderança, e o segundo o de não deixar a cultura esvaecer… o que eu chamo de ‘não deixar o nosso café ficar aguado’. É um crescimento exponencial, muito grande, e as escolas de economia e administração não ensinam como fazer a gestão de uma empresa em crescimento exponencial. Você começa o ano com uma estrutura e daqui a dois meses mudou a estrutura toda, porque a empresa cresceu 50%, 100%… então esse é um desafio muito grande que passa por montar um modelo de gestão adequado e não deixar o café ficar aguado.

Mas como fazer isso, na prática?

A gente criou rituais. Criamos momentos para fortalecer essa cultura. Por exemplo, para garantir que todos os funcionários saibam da importância da transparência com os clientes, criamos um ritual que é o nosso bate-papo semanal. É uma reunião toda sexta-feira onde todo mundo da companhia entra em duas salas e durante uma hora a gente atualiza todo mundo sobre o estado da companhia, os problemas que temos, e abrimos um espaço sem filtro para todo mundo perguntar qualquer coisa que quiser. Pode perguntar de mercado, de concorrente, de tendências, produtos… é totalmente aberto, sem estrutura organizacional. 

Criamos também o Recruta Stone, que é um evento de recrutamento que ocorre em etapas e na última etapa vamos para um hotel onde mais de 200 pessoas da companhia entrevistam os candidatos. Colocamos os candidatos lá onde eles fazem as dinâmicas e depois todos da Stone tem condições de fazer o seu voto, a sua colocação. Isso ajuda a consolidar uma mesma visão do que são os valores, do que queremos nos candidatos e com isso criamos uma régua do que queremos aqui.  

Tem também a Onda Verde: um dia em que todos os funcionários saem da companhia e vão visitar clientes, para entender os problemas, se estamos tratando bem os clientes.

No que a Stone precisa melhorar? 

A gente vive aqui um grande paradoxo: quanto melhor fica, mais problema você encontra. Eu brinco que eu sou o ‘chief problem officer’, estou toda hora procurando problemas para resolver… Quando diminui a quantidade de problema eu vou pra rua conversar com cliente e encontrar mais problema. 

Mas respondendo sua pergunta, eu acho que o grande desafio que temos hoje é o de formar líderes na velocidade do nosso crescimento, escalar isso da forma como precisamos. Porque o grande limitador para o nosso crescimento é gente.