Dilma RousseffPresidente Dilma,

Precisamos falar sobre o Santander.

Coitados dos espanhóis. Conseguiram deixar o governo perplexo e a oposição indignada: os dilmistas, porque o extrato infame ousou prever a queda da Bolsa se a senhora ganhar, e a oposição porque, num surto de vassalagem masoquista, Emilio Botín resolveu lamber as botas do comissariado e pedir arrego. (Como se diz arrego em espanhol?)

O Santander — que como qualquer banco quer estar de bem com o Poder — esqueceu que o poder hoje não emana apenas do Estado. Ele também está nas mãos de seus milhões de correntistas, nas ideias da sociedade e na voz da opinião pública, conectada e potencializada pela tecnologia. É o poder atomizado e difuso de que fala o Moisés Naím, um cara que vale a pena ler, e não mais o Poder beija-mão de quando os Botín começaram sua casa bancária.

Mas o problema aqui, Presidente, não é só o Santander, nem mesmo sua chocante deslealdade com uma funcionária demitida por dizer o óbvio — um peão descartável num Game of Thrones ainda no início.

O problema maior é a tentativa de seu partido de cercear a crítica no País, justamente no momento em que nossa democracia deveria estar explodindo em pluralidade.

Alguns de seus conselheiros dirão que o povão não se sente cerceado, só a tal da ‘elite branca’. E dirão que não há problema nenhum em cercear o discurso da elite, já que boa parte dela hoje não votará na senhora.

Mas esta água é envenenada. A política não é um jogo a se ganhar a qualquer custo, como se não houvesse valores a defender.

A senhora, cuja trajetória a levou das trincheiras da clandestinidade ao posto mais alto da República, não pode compactuar com essa visão de mundo.

Não lhe cai bem o figurino de ‘vítima do capital internacional’, nem achar que sua posição eleitoral é tão frágil que só lhe resta calar seus críticos.

A senhora fez uma aposta — numa economia onde o Estado intervém no varejo, planeja no atacado, financia alguns (grandes) e subsidia a todos — e está chegando a hora do veredito das urnas.

Não vai ser o extrato de um banco ou o vídeo “terrorista” de uma consultoria que vai lhe tirar a presidência. A senhora ganhará por seus méritos, ou perderá por suas falhas.

No fim do dia, os valores que importa preservar são aqueles pelos quais lutamos a vida inteira.

A senhora já deu provas de que não perdeu contato com alguns destes valores.

Logo que seu governo começou, VEJA elogiou sua ‘faxina ética’ e disse que a senhora não se consorciava com aqueles que usam o poder para benefícios privados.

Em outro momento, a senhora teve a coragem de remar contra a corrente quando muitos ao seu redor queriam intimidar a imprensa. Sabendo o que é ter seu próprio discurso cerceado, Vossa Excelência não quis ter nada a ver com aquilo.

Nesta campanha acalorada, este mesmo valor continuará sendo testado: a liberdade de cada um dizer o que acha.

Veja o caso do Lula. Sua liberdade é tanta que ele fala tudo que pensa — e às vezes nem pensa antes de falar. Também sabe ser desagradável: pediu a cabeça da “moça” do Santander (o bode expiatório desta fábula de asininos) em público, dizendo ao dono do banco que era melhor demiti-la mesmo.

Espero que, durante a campanha, a senhora reitere que a liberdade de expressão é uma prerrogativa de todos os brasileiros, não só dos políticos e dos autoproclamados donos da verdade.

Sua primeira reação ao caso Santander pareceu-me equivocada. A senhora disse que é ‘inadmissível’ a ‘interferência de qualquer instituição financeira’ no processo eleitoral.

Achei aquilo cômico porque os brasileiros, em geral, odeiam os bancos: as filas, as tarifas, os juros.. Banco só influi em voto na hora de financiar campanha, mas nesse caso o PT está tão bem servido quanto os outros.

Mas, voltando ao que é ‘inadmissível’, quem decide onde termina uma ‘opinião’ e começa uma ‘interferência’? E se os números da economia fossem fantásticos e as análises do Santander lhe rendessem homenagens? Isto seria uma interferência a seu favor?

Os juizes eleitorais concederiam liminar à oposição para retirar do ar um vídeo que dissesse: “O mercado financeiro precisa de mais quatro anos de Dilma, porque o primeiro mandato foi sensacional!” ?

Alguém teria perdido o emprego por isso?

Há inúmeros relatos de que a senhora não lida bem com críticas, e muitos enxergam nisso uma tendência autoritária, mas a prova dos nove são seus atos enquanto chefe de Estado e chefe de sua própria campanha.

Não cabe lecionar quem já lutou contra uma ditadura, mas talvez caiba lembrar: a garantia das liberdades individuais se dá pela prática constante, pela resistência a cada tentativa (granular que seja) de sua violação e, finalmente, pelo exemplo que vem de cima. Neste ‘caso Santander’, que ficou mal para todo mundo, talvez o melhor exemplo a vir de cima fosse um entendimento mais amplo do que é ‘opinião’, em detrimento da paranóia com ‘interferência’.

O debate de ideias no Brasil precisa de menos tutelagem e mais contra-argumentos.

Não deixe que prosperem os mercadores do constrangimento, os advogados da intimidação, os que preferem cessar o contraditório a perder uma eleição. Deixe esse País falar, Presidente.

Ganhe esta eleição com seus valores, e, se perdê-la, faça-o preservando-os. Esta prova de amor à liberdade é a profissão de fé dos estadistas e a marca das grandes nações.

No seu discurso de posse, a senhora citou, belissimamente por sinal, o Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria/ aperta e daí afrouxa/ sossega e depois desinquieta.” E exconjurou o medo: “O que ela quer da gente é coragem.”

Permita-me citar um americano ácido, o Mencken, que dizia estar convencido de que “o livre discurso não vale nada se não incluir um direito integral à estupidez e até mesmo à malícia.”

Chame seus críticos de cretinos, diga que são maldosos, mas não encoraje nem permita seu cerceamento.

Não fará bem à República, encolherá sua biografia, e não lhe ganhará a eleição.

 

O Globo