De fala mansa e sotaque carregado nos erres, Cesar Paiva é um tipo pouco comum no mercado financeiro.
 
Nascido em Londrina, no norte do Paraná, ele ainda vive na cidade. Foi lá que construiu um fundo de investimentos que, em dez anos, multiplicou sua cota por 10, sem aporte de grandes bancos e captando principalmente no boca-a-boca. (Nos últimos meses, entrou nas plataformas da XP, Órama e Genial.)
 
A Real Investor começou como um clube de ações em 2008, convertido em fundo no começo de 2012. Hoje administra R$ 290 milhões.
 
Com alguma licença poética, o Infomoney já chamou Paiva de “O Oráculo de Londrina”.  
 
Adepto do value investing, ele tem sim uma semelhança com Warren Buffett: assim como o dono da Berkshire prefere a calmaria de Omaha, Paiva acredita que estar numa cidade de 500 mil habitantes, fora do eixo Rio-São Paulo, o livra de alguns vícios e maneirismos do que chama de “Senhor Mercado”. 
 
10650 1d4dc869 177f 5848 ad7c 782f45335849Agora, com a correção da Bolsa em meio aos insultos entre Executivo e Legislativo, Paiva está voltando a comprar, mas com moderação. Na sua visão, a Bolsa não está assim tão barata. 
 
Filho de um fazendeiro e uma médica, Paiva se interessou por finanças ainda adolescente, quando descobriu “a magia dos juros compostos.”
 
Comprou sua primeira ação (Itaúsa) aos 17 anos – para o horror da gerente do Bradesco, que o fez comparecer à agência para se certificar de que ele sabia o que estava fazendo. Formou-se em administração pela PUC do Paraná, foi bancário por dois anos, largou o emprego para focar nos investimentos. Antes de montar seu clube, passou pela antiga Finabank e montou um escritório de agente autônomo em Londrina.
 
Hoje, além de gerir o fundo de ações, a Real Investor também atua como um multifamily office, assessorando clientes na alocação de capital. Ao todo, administra R$ 600 milhões.
 
A seguir, trechos da conversa de Paiva com o Brazil Journal:
 
Como você tem visto a volatilidade provocada por Brasília? Qual a chance de as reformas prosperarem e como você está posicionando o fundo?
 
Antes de mais nada, essa turbulência mostra que o Brasil não é para amadores. A gente nunca achou que ia ser fácil. Acreditamos que vai ser aprovada alguma reforma, até porque não tem como o País continuar sem isso, mas pode ser uma bem aquém do ideal. E como, se sair, só deve ser lá para o segundo semestre, acho que vai balançar bastante.  Mas não mudamos muito nossa postura. A gente estava um pouco mais otimista no começo do ano, mas dada a alta expressiva, diminuímos nossa alocação. A gente estava 95% comprado e diminuímos para 75%, 80%. Com essa queda recente, pontualmente a gente voltou a aumentar algumas posições.
 
Não estamos com muita sede de aumentar rápido porque, apesar da queda, a Bolsa brasileira de maneira geral não está barata. Nas nossas contas, quando o índice bateu 100 mil pontos, o PL [relação entre preço e lucro] estava em 18x, porém o PL projetado [olhando os 12 meses à frente] é de 12x, que não é tão ruim, é em linha com a média histórica.
 
Mas PL projetado você está contando com uma série de acontecimentos. O que a gente tem visto nesse começo do ano é uma certa frustração com os resultados do quarto trimestre e o crescimento não está aparecendo na magnitude que o mercado estava esperando. Acho que o cenário não está fácil, mas sempre vão ter oportunidades de empresas pontuais, que é o que a gente gosta de fazer.
 
Qual é sua maior posição hoje?
 
A maior posição está em utilities, basicamente Energias do Brasil e Sanepar. Compramos Energias do Brasil no fim do ano passado. Talvez seja a empresa de energia elétrica privada mais barata da Bolsa – e já teve uma boa alta neste ano. Hoje a empresa deve estar negociando a 11 vezes o lucro de 2019 e nas nossas contas deve dar uma taxa de retorno real de 10%, 11%, num país de NTN-B a 4,5%, 4,3%. É um retorno interessante. No guidance, eles esperam que o EBITDA cresça 12% ao ano nos próximos cinco anos. É um carrego interessante: pagamos um preço interessante, numa empresa com boa governança, que cresce, com boas perspectivas.
 
Sanepar nós compramos no começo de 2017, logo que teve aquela frustração com o diferimento do reajuste tarifário. Após o follow-on [em 2016], esperavam um reajuste na casa dos 25% – mas o governo e a agência reguladora diferiram isso em oito anos. Naquele momento a ação caiu 30% e vimos uma oportunidade de comprar. Era uma das empresas mais baratas da bolsa, com um belo yield, resultados previsíveis, concessões longas…
 
Mas não tem um risco político relevante embutido aí, numa estatal que já frustrou os investidores algumas vezes?
 
O risco político faz parte, por isso que ela está descontada. Mas acho que nos próximos anos não devemos ser surpreendidos negativamente. Tem inclusive a conversa de que a empresa pode antecipar desse diferimento agora, com o Ratinho Jr. Tem algum risco de o mercado se frustrar, mas faz parte. O preço compensa e por isso costumamos ter diversificação.
 
Você também tem uma posição grande no setor de propriedades comerciais.
 
Comprei BR Properties no fim do ano passado. A empresa está muito barata em relação ao valor que possui. Está sendo negociada mais ou menos a 60% do valor patrimonial. Recentemente, teve duas vendas relevantes de imóveis e os dois foram vendidos acima do que estão nas avaliações. Ela recomprou os bonds perpétuos que tinha emitido lá fora, fazendo com que o custo da dívida – que é um dos problemas – diminuísse, além de reduzir os impactos da variação cambial. A vacância ainda é grande, em torno dos 20%, mas acredito que vai diminuir fortemente nos próximos anos, com a recuperação da economia. Ela alugou vários imóveis a um preço baixo na crise e deve ter revisionais de aluguel positivas. Outra coisa: conforme diminui a vacância, eles tem custos menores com manutenção e o condomínio dos empreendimentos.
 
Tenho Log também, que vai na mesma linha. Compramos no primeiro dia de negociação pós cisão da MRV, quando o papel caiu 40%. Quando tem uma operação desse tipo, normalmente uma série de investidores que não tem mandato ou não querendo ficar com o ativo vendem na primeira oportunidade. Na MRV, 65% do capital está nas mãos do mercado – e 80% desse float é de estrangeiros. Logo no primeiro dia, eles saíram fritando a ação, o que abre uma boa oportunidade.
 
A R$ 17, a Log hoje está valendo entre 55% e 60% do valor patrimonial. Eles têm um crescimento já contratado, devem aumentar o portfólio em 50% nos próximos anos. E trabalham com um esquema de galpões modulares, mais flexíveis, em que se uma empresa grande deixa um galpão, eles podem readequar e trazer empresas menores, evitando um período longo de vacância. É um negócio resiliente, de recorrência e com contratos de longo prazo.
 
Tem algum papel no seu portfólio que é bem controverso?
 
Temos uma posição boa em Qualicorp. Começamos a comprar no meio do ano passado, depois que as ações saíram de R$ 38 e eram negociadas na casa dos R$ 20 – era uma das ações mais baratas da Bolsa. Tomamos um banho de água fria com a notícia de que a empresa estava pagando um bônus de retenção de R$ 150 milhões para o fundador não sair da empresa.  É claro que não gostamos, mas a reação do mercado foi muito exagerada. Esses R$ 150 milhões representavam mais ou menos 4% do market cap e em torno de um terço do lucro do ano. E o papel caiu 30% em um dia! Hoje ela negocia a 9 vezes o lucro com zero de dívida, 100% do lucro é distribuído em dividendo, com um yield de 10%. E com essa melhora na economia, deve parar de perder vidas, o que por si só é uma boa notícia.
 
Tem algum outro setor que você está apostando?
 
Construção civil: as incorporadoras. Tenho Trisul, uma construtora de São Paulo que teve problemas no passado, mas teve um grande trunfo: ela errou antes de todo mundo. Quando o mercado estava enfrentando os desafios de 2015, 2016 para frente, ela já estava com as coisas resolvidas e voltando a lançar. É uma ação menos líquida, mas valia tanto a pena que a gente decidiu entrar. Só no ano passado valorizou uns 100% e ainda negocia a 7,5 o lucro projetado para 2019.
 
Outra posição é a Direcional Engenharia. Compramos em 2017. É uma empresa muito boa, bem gerida, mas passou por um problema. Ela é focada no Minha Casa Minha Vida e em 2014 e 2015 decidiu lançar empreendimentos voltados para média e alta renda. Teve uma série de dificuldades e desde 2016 vem liquidando, terminando as obras e vendendo estoques nesse segmento. Isso praticamente acabou no fim de 2018, começo de 2019.
 
Por outro lado, o segmento MCMV da faixa 1,5 a 3 está indo muito bem. E isso deve ficar mais claro nos resultados neste ano e no próximo. Apesar de ter subido bem, a empresa negocia a 1 vez o valor patrimonial. A gente acha que tem tudo para voltar a ter um retorno sobre patrimônio na casa dos 15%. [Nos últimos anos, foi negativo ou nulo por conta desses fatores não recorrentes]
 
O fundo tem algumas posições com pouca liquidez – como Trisul, MetalLeve e Time for Fun. Isso não pode criar um problema para escalar a estratégia?
 
Logicamente, conforme vou crescendo, algumas oportunidades que são muito pequenas ou muito ilíquidas não são mais para mim. Ou então, a margem de segurança é tão grande que vale a pena abrir um pouquinho mão de liquidez para comprar, porém não vai ser uma empresa relevante dentro do fundo.  Procuramos olhar para empresas que negociam cerca de 0,5% do nosso PL. Se eu tenho PL de R$ 290 milhões, vou olhar para empresas que negociem pelo menos R$ 1 milhão por dia, em média. Não quer dizer que não possa comprar uma que negocie R$ 600 mil, mas vou comprar uma posição menor, e de maneira disciplinada.
 
Não queremos ser o maior fundo, mas o melhor. Se achar que está atrapalhando demais, a gente vai fechar o fundo para captação. Mas posso dizer que, com o dobro do PL, eu ainda não teria problemas com isso.
 
Quais as vantagens de estar fora do eixo Faria Lima-Leblon?
 
No livro ‘O Investidor Inteligente’, o Benjamin Graham fala do ‘Senhor Mercado’. Esse senhor é um sujeito meio maníaco-depressivo. Em alguns momentos está eufórico, acha que seu País vai virar Primeiro Mundo, o PIB vai disparar – e está disposto a comprar ações por um valuation muito caro.
 
Passa um tempo e ele fica totalmente deprimido, acha que tudo vai dar errado, o mundo vai acabar e a ação que valia R$ 10, passa a valer R$ 4 ou R$ 5. A moral é que o investidor inteligente tem que tirar proveito desse humor do Senhor Mercado e aproveitar para vender na euforia e comprar na depressão. Eu acho que esse Senhor Mercado mora na Faria Lima.
 
O fato de a gente estar em Londrina, no interior, nos deixa muito mais disciplinados em sentar a bunda na cadeira e passar o dia estudando, pesquisar sobre a empresa. A gente acaba se distanciando desse viés de curto prazo e pensa mais em empresas no longo prazo. Isso acaba nos diferenciando um pouco. Eu já tive dúvidas sobre isso, mas hoje vejo como uma vantagem.  E, no fim das contas, estou a uma hora de vôo de São Paulo, quando preciso sentir a temperatura do mercado é só vir e ficar aqui.
 
E as desvantagens?
 
A gente acaba tendo menos acesso às empresas por não estar no dia a dia. Ainda que seja fácil marcar calls ou fazer visitas, não é a mesma coisa que estar presente aqui. Tem também a questão da mão de obra, nós não encontramos mão de obra pronta. Mas por outro lado não tem concorrência pelos talentos da região. Conseguimos encontrar futuros analistas com potencial interessante e custo-benefício melhor – até porque o custo de vida em Londrina é muito menor. Mas tem que formar essas pessoas. O bom é que elas chegam sem vícios.