A Tate Modern de Londres está promovendo um encontro imaginário entre a sueca Hilma af Klint (1862-1944) e o holandês Piet Mondrian (1872-1944), artistas que viveram na mesma época mas nunca se conheceram.

Enquanto Mondrian aproveitou a vida efervescente do avant-garde parisiense e o jazz em Nova York, af Klint viveu dedicada aos estudos e à espiritualidade viajando apenas por países vizinhos em suas pesquisas antroposóficas, a doutrina filosófica e mística fundada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner.

Apesar de parecer contraintuitivo juntar a mediunidade de af Klint com a estética geométrica de Mondrian, a curadoria da Tate focou nas semelhanças desse “odd couple”, como o New York Times os chamou. O resultado foi surpreendente.

Nas salas iniciais, o visitante fica na dúvida sobre a autoria de algumas telas, principalmente os desenhos de flores e as pinturas  de árvores. Os dois começaram a carreira como pintores acadêmicos pintando paisagens, o que era comum no final do século XIX.

Mas no começo de 1900, mudaram radicalmente de estilo. O processo artístico dos dois foi marcado pela natureza e a expressão da interconectividade e interdependência de todos as formas de vida do planeta.

Os curadores conseguiram comprovar a sincronicidade na expressão artística dos dois, que comungavam das mesmas inquietações internas e as manifestaram na mesma época. Ambos tinham interesse em teosofia (fundado por Helena Blavatsky), antroposofia, botânica, psicologia junguiana e astrologia (curiosidade: Mondrian era de Peixes, e af Klint, de Escorpião).

Mondrian dispensa introduções. Tendo obtido sucesso em vida e estrondoso valor de mercado pós-morte, ficou inscrito na história como um dos pais da arte abstrata, apesar das obras de Klint pré-datarem as suas e as de Kandinsky.

Desconhecida em sua época (e até poucas décadas atrás), af Klint deixou mais de 1.300 obras e 125 cadernos. O espiritismo impactou profundamente sua arte desde cedo.

Com a morte de sua irmã, af Klint começou a estudar teosofia e antroposofia (com o próprio Rudolf Steiner). Seu isolamento foi providencial para deixar o espiritualismo guiar seu trabalho, sem o peso do julgamento da época ou interferência externa.

Tanto que ela queria desaprender as técnicas clássicas adquiridas na academia para buscar o desenho automático, ou seja, sem o comando da consciência – o que foi posteriormente utilizado no movimento Surrealista e no Dadaísmo. Suas obras abstratas seguiram a direção recebida por forças ocultas. A crença era que as imagens recebidas eram transformadas em telas, que funcionariam como um portal para a transformação do ser e sua elevação espiritual.

Poucos sabem, mas o simbolismo de Mondrian —  incluindo as conhecidas linhas verticais e horizontais –  também foi moldado pela doutrina teosófica. A linha horizontal (que seria o masculino) e a vertical (o feminino) surgiu na teoria de Blavatsky, e inspirou Mondrian a explorar os símbolos geométricos a partir do misticismo.

Nas pinturas Evolution (1910-11), que dificilmente um desavisado acharia que são um Mondrian, percebem-se os estágios iniciais da jornada teosófica de sua arte abstrata.

Af Klint não se sentia à vontade para falar publicamente sobre o misticismo de sua arte. Ela temia que o zeitgeist da época não aceitaria obras que refletissem experiências mediúnicas (correndo o risco de ser acusada de bruxaria). Por isso, deixou em testamento que suas obras só poderiam ser exibidas em público 20 anos após sua morte. Isso ocorreu nos anos 70, mas ainda então o mundo não estava preparado para suas obras: seus herdeiros tentaram doar tudo para o Moderna Museum em Estocolmo, que as recusou.

Nas últimas décadas, o pensamento acadêmico e curatorial foi ficando mais aberto às perspectivas espirituais e místicas. A 55a Bienal de Veneza, em 2013, apresentou para o grande público internacional as obras de af Klint, chamando atenção não só para a artista como para as correntes místicas da abstração do início do século XX.

Depois de uma exposição na Pinacoteca de São Paulo (em 2018), no ano seguinte o Guggenheim de Nova York organizou o primeiro show solo nos Estados Unidos – 75 anos após a morte da artista – arrebatando público e crítica (foram mais de 600.000 visitantes).

O sucesso nova-iorquino alçou a artista ao estrelato internacional. Um dos sonhos de af Klint era construir um templo em formato espiral para mostrar seus trabalhos, o que não foi concluído. Talvez a rampa em espiral do Guggenheim possa ser considerada o meio mais próximo de realização do sonho da artista.

Pensar na conexão entre pessoas, a natureza e o oculto hoje em dia não causa espanto, mas no começo do século XX era revolucionário.

A exposição da Tate corrige a história colocando juntos dois artistas pioneiros – com as mesmas questões existenciais e buscas espirituais – mas com reconhecimento distinto.

“Aqueles que receberam o dom de ver mais profundamente podem ver além da forma e se concentrar no aspecto maravilhoso que se esconde por trás de cada forma, o que é chamado de vida,” af Klint escreveu em um dos seus cadernos.

Foto: Jai Monaghan, Tate Modern