A sociedade começou a reagir à proposta do Governo eleito de gastar (muito) mais que o teto, com duas PECs alternativas surgindo no Congresso.
Numa delas, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) propõe aumentar o teto em R$ 80 bilhões em 2023. Nos anos seguintes, os gastos seriam ajustados apenas pela inflação, sem aumento real, como nas regras em vigor.
Em outra, o Senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) propõe R$ 70 bi a mais em 2023 – e dar ao Governo Lula até 17 de julho de 2023 para aprovar no Congresso um regime fiscal sustentável, que tiraria o teto da Constituição Federal e o transformaria em lei complementar.
Ambas as propostas têm um custo bem menor do que a minuta sugerida pela equipe de transição do novo governo, mas ainda assim cobrem os gastos tidos como prioritários para o próximo ano.
Os ativos brasileiros voltaram a encontrar compradores ao longo da tarde quando o mercado viu que a sociedade está criando alternativas ao nível de gasto proposto pelo PT. A Bolsa subiu 0,8% e o dólar caiu 1,2% frente ao real, fechando a R$ 5,31.
“Está ficando claro que não vai ser esse passeio no parque que eles estavam pensando,” disse o economista de um grande banco, referindo-se à equipe de transição.
No final da tarde, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa deu uma entrevista sugerindo que R$ 80 bilhões é pouco, e que o novo Governo precisaria de gastar no mínimo R$ 136 bilhões a mais — um desconto significativo em relação aos R$ 200 bilhões de aumento de gastos propostos até agora.
Quem contribuiu na elaboração do texto apresentado por Tasso foi Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV-Rio. Veloso usou como base uma proposta elaborada pelos economistas Cláudio Frischtak, Marcos Bonomo e Paulo Ribeiro.
“Essa proposta alternativa tem dois méritos: ela contribui para a solução de problemas emergenciais ao mesmo tempo em que assegura a estabilidade da dívida pública,” disse Veloso ao Brazil Journal.
Com os R$ 80 bilhões adicionais seria possível manter o pagamento de R$ 600 para os beneficiários do Auxílio Brasil (custo: R$ 52 bi), dar aumento real de 1,4% no salário mínimo (outros R$ 6,4 bilhões), zerar a fila do SUS (R$ 8,5 bilhões), implementar a Lei Aldir Blanc (R$ 3 bilhões), além de recompor as verbas do programa Farmácia Popular (R$ 1,2 bi), da merenda escolar (R$ 1,5 bi) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (R$ 6 bilhões).
Pelas simulações dos economistas, haveria uma contenção no aumento da dívida pública, que chegaria a 2026 ao redor de 84% do PIB, ante os 78% atuais. A partir de 2028, a dívida entraria em trajetória de queda.
Já no cenário da PEC da Transição, defendida pelo PT e seus aliados, a dívida pública manteria uma rota ascendente, atingindo 100% do PIB em 2027.
Segundo um especialista em finanças públicas de um banco da Faria Lima, a nova proposta é “bem melhor” e foi recebida pelo mercado como um “vinho raro”, ante a comparação com o vinagre ácido oferecido pela equipe de transição. Mas ainda assim a situação fiscal permaneceria frágil, sujeita a solavancos diante de “qualquer espirro” da conjuntura externa.
Na opinião de Veloso, há muito a ser discutido na questão das despesas, como por exemplo a reformulação completa do Auxílio Brasil, um programa caro e pouco eficiente. No lado das receitas há também muita coisa para ser aprimorada.
“Mas esse é um debate para o próximo ano, com o próximo Congresso. Estamos oferecendo aqui uma proposta para dar uma previsibilidade mínima nessa transição.”