O conselho da Restoque aprovou ontem à noite um amplo plano de conversão de dívida em ações, um movimento que vai reduzir dramaticamente a alavancagem da empresa e dar uma segunda chance à dona de marcas como Le Lis Blanc, John John e Dudalina.
Os credores que aderirem ao plano aprovado ontem converterão pelo menos 75% da dívida de R$ 1,6 bilhão em ações ao preço de R$ 2,10, um prêmio de 31% sobre o fechamento de ontem, de R$ 1,62.
Se tiver sucesso, o plano – uma das maiores conversões de dívida da história do Novo Mercado – reduzirá a alavancagem da Restoque de 15,6x no final do ano passado para menos de 1x o EBITDA deste ano, que analistas estimam em R$ 200 milhões.
Os debenturistas que optarem por converter apenas 75% de sua posição em ações vão receber o restante em uma nova debênture com prazo de 10 anos, três de carência, e taxa de CDI + 1%. Quem não aderir, continuará com a atual debênture, que passará a ser indexada à TR e terá prazo de 20 anos.
Os atuais acionistas terão o direito de acompanhar o aumento de capital nas mesmas condições.
Em grande parte, a recapitalização foi arquitetada pela WNT Capital, uma gestora focada em crédito e special situations que começou a montar uma posição relevante nas debêntures em julho do ano passado.
“Eu disse aos meus cotistas que a gente tinha que comprar o pior negócio afetado pela covid,” disse Valério Marega Júnior, o sócio da WNT. “E a gente olhou tudo: companhias aéreas, empresas de turismo… e vimos que no setor de moda, a Restoque tinha um problema a mais, porque além de não ter condição de vender – porque as lojas estavam fechadas – o ecommerce deles ainda não estava bem implementado e mesmo que estivesse, as pessoas não iam comprar roupas para ir em festas.”
Quando começou a comprar as debêntures da Restoque no mercado, os papéis negociavam entre 20% e 30% de seu valor de face – indicando a aposta do mercado de que a Restoque era irrecuperável.
Para se certificar de que as marcas ainda eram saudáveis, Valério deu R$ 1.000 a 50 clientes para irem às compras nas 200 lojas da rede — com o compromisso de responderem a um formulário de 45 perguntas na volta. O veredito: “99% delas falaram que adoraram as lojas e pretendem voltar, mas que as lojas precisam de mais cuidado,” disse Valério.
Para obter massa crítica na compra da dívida, Valério procurou o Banco Master, de Daniel Vorcaro, a quem já havia se associado em operações anteriores.
Dos cerca de R$ 7 bi em ativos sob gestão que a WNT tem hoje, R$ 1 bilhão estão nas debêntures da Restoque – e o maior cotista do fundo é o Master.
Em fevereiro, Valério abordou a Restoque com uma proposta de converter a dívida a R$ 1,82 por ação — um prêmio de apenas 10% sobre a média ponderada dos 120 dias anteriores. O conselho da Restoque achou o prêmio insuficiente e contratou a Alvarez & Marsal para assessorá-lo na melhor alternativa estratégica.
Hoje, os maiores acionistas da Restoque são Marcelo Lima, o chairman da empresa, com 26% do capital, e Márcio da Rocha Camargo, que tem 12% do capital.
Na votação de ontem, Márcio – que esteve à frente da empresa durante a fase mais aguda de sua debacle – foi o único voto contra, argumentando que havia um suposto conflito de interesses na condução do chairman Marcelo Lima e que havia espaço para melhorar o preço e reduzir “a brutal diluição que hoje se encontra em cerca de 94% para os atuais acionistas”.
Depois de ver sua ação derreter 93% nos últimos três anos, a Restoque fechou ontem valendo R$ 111 milhões na B3.
O plano de recapitalização vem num momento em que a Restoque começa a colher os primeiros frutos da reforma de algumas de suas lojas flagship. A empresa já reformou as Le Lis Blanc dos shoppings Iguatemi e JK Iguatemi; em Alphaville, reformou a Le Lis e a John John.
Uma pessoa a par do assunto disse que algumas dessas lojas dobraram o faturamento após a reforma e que a receita de cinco das seis marcas da Restoque já está nos níveis pré-pandemia.
As coisas estão melhorando, mas o buraco é bem mais embaixo. Mesmo que a Restoque conseguisse o milagre de dobrar seu faturamento e EBITDA, ainda assim a empresa não conseguiria quitar sua dívida atual. Se aprovado pelos credores e acionistas, o plano dará à empresa uma segunda chance.