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Judith Tendler, que de sua cátedra no MIT orientou inúmeros economistas brasileiros por quase três décadas e se debruçou sobre as questões do desenvolvimento, morreu semana passada aos 77 anos.
 
Nas palavras de Regina Pacheco, uma ex-aluna, ela “formou grande número de pesquisadores, adotando-os para sempre. Conectou pessoas com laços profundos. Enfeitou o mundo com sua elegância discreta, melhorou-o com sua solidariedade e o explicou com sua inteligência.”
 
Professora emérita do Departmento de Estudos e Planejamento Urbano do MIT, Judith estava aposentada desde 2011 e passou os últimos anos sofrendo do mal de Alzheimer.  
 
Seu primeiro contato com o Brasil foi ainda nos anos 60, quando foi economista do U.S. Agency for International Development (USAID) no Rio de Janeiro.  Anos depois, em 1968, visitou o Nordeste com Albert Hirschman, o economista alemão pai da escola dos desenvolvimentistas, do qual foi orientanda e de quem logo se tornou amiga. (Hirschman fora convidado a fazer um estudo sobre os incentivos fiscais do Nordeste.)  A conexão de Judith com a região se aprofundaria mais tarde.
 
Em meados dos anos 90, financiada pelo Governo do Ceará, Judith trouxe ao Brasil um grupo de seus melhores alunos para estudar iniciativas inovadoras das gestões de Tasso Jereissati e Ciro Gomes.  O estudo se tornou o livro “Good Government in the Tropics” (1998) e, nas Páginas Amarelas de VEJA, Judith foi descrita como ‘sucessomaníaca’ (em contraposição ao termo ‘fracassomania da América Latina’ cunhado por Hirschman, sua crítica a intelectuais que ficam presos a modelos teóricos sem os quais, segundo eles, o país nunca irá para frente).
 
“Hirschman escreveu que, quando visitava a América Latina e perguntava como andavam as coisas na região, todos falavam mal. Os intelectuais de esquerda só conseguiam ver melhora se houvesse uma revolução, e os de direita, se houvesse a aprovação de uma lista extensa de reformas,”  escreveu, em seu blog, o economista Mansueto Almeida, que foi orientando de Judith. “Segundo Hirschman, o fato de intelectuais e politicos de esquerda e direita ficarem presos a modelos teóricos dificultava que eles percebessem mudanças às vezes pequenas que poderiam, se percebidas e estimuladas, mudar as restrições econômicas e políticas que poderiam estimular reformas maiores, que poderiam tornar mais fáceis outras reformas.”
 
Antonio Magalhães, ex-secretário de planejamento do Ceará, conheceu Judith nesta época; mais tarde, sua filha foi aluna de Judith no MIT.  “Minha filha disse que estudar com ela mudou sua vida, porque ela não assumia os alunos como obrigação, só tentava ensiná-los a pensar por conta própria,” diz Magalhães. 
 
Judith sempre demonstrou atenção incomum com os brasileiros — até com os que não eram seus alunos, como este repórter, que jantou em seu apartamento em Cambridge, em 2001. (Dr. Tendler assou uma lasanha para os dois.)
 
Judith Tendler nasceu em 30 de dezembro de 1938, em Detroit, filha de imigrantes ucranianos de orgem judaica. Formada summa cum laude pela Universidade de Michigan, fez seu PhD em Columbia com uma bolsa da Fundação Ford. Ela não teve filhos, mas era próxima aos sobrinhos.
 
Entre os brasileiros que trabalharam com Judith — alguns como orientando — estão: Mansueto Almeida, Secretário de Acompanhamento do Ministério da Fazenda; Roberto Pires, pesquisador do IPEA; Salo Coslovsky, professor na NYU;  Raquel Gomes, que hoje trabalha na Oxfam em Washington; Monica Amorim, professora na Universidade Federal do Ceará; Glauter Rocha, gestor público federal hoje cedido à prefeitura do Rio para a organização das Olimpíadas; Jacob Carlos Lima, professor da Universidade Federal de São Carlos; Monica Pinhanez, professora na EBAPE – FGV-RJ; e Silvana Rocha Parente, ex-Banco do Nordeste do Brasil e hoje consultora na área de microfinanças.
 
Pinhanez disse no Facebook que Judith era uma orientadora acadêmica “muito, muito difícil”. “Ela não deixava nenhuma palavra sem escrutínio, não aceitava nenhuma afirmação sem provas, revisitava cada frase milhares de vezes e não aceitava nenhuma ideia como óbvia.  Ela era dura e brilhante. Ensinou muitos de nós a pensar, nos empurrava na busca de clareza e sentido, e se preocupava em disseminar políticas públicas que promovam o bem-estar das pessoas. Ela focava no ‘copo meio cheio.”
 
Numa época em que vivemos angustiados e fascinados com nossa capacidade de autoderrota, o legado de Judith Tendler é um convite ao otimismo, e sua estatura como ser humano, algo difícil de replicar.