Se Donald Trump ganhar a Casa Branca, um dono de hedge fund com poucos amigos, horror ao establishment e capital virtualmente ilimitado terá feito o melhor ROIC — ‘return on invested capital‘ — de sua vida.
Bob Mercer — o sócio da Renaissance Technologies, um dos maiores e mais lucrativos fundos de investimento do mundo, com US$ 29 bilhões sob gestão — é o maior doador individual da campanha de Trump por meio de um ‘super PAC’ chamado ‘Make America Number One’. (Previstos na legislação americana, os ‘super PACs’ são veículos de financiamento eleitoral que se apoiam numa hipocrisia fundamental: a lei diz que eles podem tudo, menos fazer o óbvio — coordenar seus investimentos em publicidade com a campanha do candidato que apoiam.)
Mercer é bem menos famoso que seu sócio Jim Simons, o fundador da RenTech. Ambos são o que o mercado chama de ‘quants’: seus investimentos se baseiam não nos fundamentos das empresas (como os fundos de ações tradicionais), e sim em modelos quantitativos, desenhados e constantemente aperfeiçoados por matemáticos e que levam em conta, principalmente, o padrão histórico de comportamento dos preços dos ativos, em vez do que acontece no negócio das empresas. Como as ordens de compra e venda são determinadas pelos algoritmos — ou seja, ninguém sabe como o sistema funciona — esse tipo de fundo é conhecido como ‘black box’.
“Eles são muito fechados e não interagem tanto com a comunidade mais ampla de hedge funds,” o gestor de um fundo novaiorquino diz sobre a RenTech. “Eles só contratam PhDs e ficam escrevendo código e programas. São mais cientistas da computação do que propriamente investidores.”
“Eu diria que a maioria das pessoas nunca ouviu falar dele e muito pouca gente já esteve com ele,” diz outro gestor de Nova York. “Além da RenTech ser cercada de segredo, ele não é o tipo de cara que gosta de aparecer na TV.”
Hoje com 70 anos, Mercer nunca falou publicamente sobre política, preferindo que seu dinheiro falasse em seu lugar.
Dono de um Ph.D. em ‘computer science’ pela Universidade de Illinois, ele começou a programar quando ainda estava no ensino médio e, antes do mercado financeiro, trabalhou na IBM, onde escrevia programas de reconhecimento de linguagem — ajudando a criar a base de serviços como o Siri e o Google Translate.
Mercer e outro colega de IBM, Peter Brown, entraram na RenTech em 1993 e se tornaram co-CEOs em 2011, quando Simons se aposentou. Segundo a revista Alpha, de 2011 para cá, em nenhum ano Mercer ganhou menos de US$ 100 milhões. Mas como US$ 100 milhões não são mais o que costumavam ser, a RenTech ainda assim lançou mão de criatividade fiscal para pagar menos imposto, o que acabou levando a uma investigação no Congresso.
A RenTech tem um histórico simplesmente extraordinário — tanto que ela consegue cobrar taxas acima da média do mercado numa época em que a indústria de fundos está sendo obrigada a reduzir sua remuneração: a gestora cobra 3% de taxa de administração e 30% do que ganhar para os investidores acima do benchmark; o resto da indústria cobra 2%-20%.
Para se ter uma ideia do sucesso da RenTech, um de seus maiores fundos, o Medallion — aberto apenas para os seus funcionários — teve um retorno anualizado de 35% nos últimos 20 anos.
As apostas políticas de Mercer, no entanto, são outra história.
Seis anos atrás, Mercer, que mora em Nova York, despejou um caminhão de dinheiro para impedir a reeleição de Peter deFazio, um deputado democrata do Oregon que havia proposto a criação de uma CPMF sobre transações financeiras. Boa parte da RenTech depende de ‘high-frequency trades’ — a compra e venda de ativos em microssegundos, que ficaria mais cara ou até se inviabilizaria se esse novo imposto fosse criado. Mercer perdeu. DeFazio ainda está no Congresso.
No início deste ano, Mercer gastou US$ 11 milhões para apoiar a pré-campanha de Ted Cruz, o senador texano que era o maior expoente do Tea Party, o movimento ultraliberal com coloração religiosa que se transformou numa espécie de dissidência do Partido Republicano. Cruz perdeu, e Mercer, que todo mundo achava que nunca apoiaria Trump, provavelmente pensou: ‘whatever’.
Em 2014, a Bloomberg calculou que Mercer havia gasto US$ 37 milhões nos seis anos anteriores para apoiar candidatos Republicanos que são contra o direito ao aborto, que negam que o aquecimento global seja resultado das ações humanas, e para impedir a construção de uma mesquita perto do local onde ficavam as Torres Gêmeas.
Mercer parece ter um lado libertário — amigos dizem que ele despreza a cúpula do Partido Republicano por ela ser subserviente às grandes empresas e a Wall Street — mas é mais conhecido por seu lado conservador: ele já doou dezenas de milhões de dólares a think tanks conservadores como a Heritage Foundation e à Cambridge Analytica, uma empresa de data mining que constrói perfis psicológicos de eleitores (para os Republicanos). Mercer também bancou um documentário sobre Ayn Rand, a filósofa que inspira o movimento liberal em todo o mundo, e ajudou a financiar o livro ‘Clinton Cash’, que descreve os Clinton como um casal corrupto.
Ele também reconhece a importância da mídia numa era em que a política se confunde com entretenimento. Há alguns anos, Mercer investiu US$ 10 milhões no Breitbart.com, um site de panfletagem política que agora tem uma relação simbiótica com a campanha de Trump. Steve Bannon, o chairman da empresa que controla o site, se tornou o CEO da campanha de Trump em agosto. Não por coincidência, o Breitbart tem sido um dos veículos mais agressivos contra as maiores lideranças do Partido Republicano — que, para Mercer, não são suficientemente conservadores.
Nos últimos dois anos, o Breitbart ajudou a fritar o líder da maioria Republicana na Câmara, Eric Cantor, apoiando seu desafiante nas primárias, e investiu pesado contra John Boehner, o presidente da Câmara, que também acabou renunciando. Mais recentemente, o site tentou tirar de circulação o próprio Paul Ryan, o atual presidente da Câmara, mas Ryan venceu a primária em sua base eleitoral e ainda está no jogo. Mercer investiu até mesmo contra John McCain, senador pelo Arizona e ex-candidato presidencial republicano, mas sofreu outra derrota: McCain ganhou a primária e deve ser reeleito na terça-feira.
Se para Mercer a vitória de Trump seria a chance de ‘dar uma dentro’ no mundo da política, o resto do mercado está tratando esse possível resultado como um outro Brexit.
Outro dono de hedge fund — Dan Loeb, do Third Point — disse na sexta-feira que aumentou seus hedges [proteções contra uma queda do mercado] e reduziu a exposição do fundo nas últimas semanas, em linha com o que escrevemos aqui.
Para Loeb, o paralelo com o plebiscito inglês é claro: “Nós claramente não previmos o resultado do Brexit, mas definitivamente vimos aquilo como um momento em que você tinha que atribuir alguma percentagem a um cenário no qual houvesse uma surpresa. Agora, fizemos a mesma coisa.”