Depois de um longo e tenebroso inverno, os investidores estão apostando que a economia bateu no fundo do poço, e que as coisas devem melhorar muito ao longo do ano.
Desde sexta-feira, o índice Bovespa acumula alta de 3,1% (2% só no pregão de ontem), com volume crescente, e uma série de empresas de consumo estão sendo reprecificadas.
Aos 66.721 pontos, o índice está agora em seu maior nível desde o começo de março.
Para os otimistas, romper a máxima histórica dos 73 mil pontos é uma questão de tempo, enquanto os céticos ainda vêem poucas razões para o que consideram euforia.
João Luiz Braga, gestor de renda variável da XP, está no primeiro time. Para ele, o rali ainda nem começou – e o Ibovespa pode superar em muito o recorde histórico.
“Nas últimas semanas, os resultados, especialmente dos players domésticos, vieram muito melhor que as expectativas,” diz Braga. “100% da revisão do lucro para o Ibovespa que aconteceu nos últimos meses vinha da expectativa de melhora para as commodities e não para setores domésticos.”
E o varejo melhorou demais. Na Hering, o lucro do primeiro trimestre foi 28% maior que no ano anterior e 20% acima do consenso de mercado medido pela Bloomberg. As ações dispararam 21% desde então. Na rede de laboratórios Fleury, o resultado do trimestre também incendiou a ação, que subiu mais de 13% num dia, e transbordou para todo o setor.
Na Via Varejo — dona do Ponto Frio e das Casas Bahia e uma das empresas mais castigadas pela crise — a margem bruta consolidada pulou 4,32 pontos percentuais em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, alcançando 31,2%, e a margem líquida encontrou Jesus: foi de negativos 4,1% para +1,6%. (Um trabalho interno de reestruturação ajudou).
Localiza, Raia Drogasil, Santander e Bradesco também vieram melhor do que o esperado.
“[O índice] ainda tem muito para andar só para acomodar essa revisão do cenário doméstico,” diz Braga.
A chave para este rali está no aumento da chamada ‘alavancagem operacional’. O conceito é simples: durante a crise, as empresas cortaram custos e demitiram gente, ficando mais leves. Agora, com a base de custo mais magra, qualquer melhora no faturamento se traduz em lucros muito maiores. (Por enquanto, a melhora nas vendas tem sido apenas incremental na maioria das empresas.)
Um caminhão de dinheiro do FGTS liberado pelo Governo também ajudou o consumidor a respirar.
Até março, o Índice de Confiança do Consumidor medido pela Fundação Getulio Vargas havia subido três meses consecutivos até bater 85,3, o maior nível desde dezembro de 2014. O índice caiu em abril, mas a tendência de alta é clara, dizem economistas, e o maior vetor para esta alta é a queda da inflação, principalmente a de alimentos.
Ontem, uma pesquisa Datafolha mostrou o brasileiro mais otimista com relação a seu futuro econômico.
Márcio Appel, da Adam Capital, parece estar abraçando a melhora. Sua carta de abril diz que “a posição em juros locais, apesar de importante e com potencial de ganhos adicionais, perdeu relevância relativa no portfólio, sendo compensada pela compra de bolsa brasileira.” A dimensão da realocação, no entanto, não está clara.
O principal fator a dividir o mercado, no entanto, ainda é a reforma da previdência.
“A aprovação ainda é uma incógnita, mas acredito que o mercado ainda não a precificou totalmente. Se passar como está hoje, [a bolsa] tem potencial para subir bastante. O que estamos vendo não é nem o começo do movimento [de alta]”, afirma Braga, da XP.
A equipe do JP Morgan divulgou ontem um relatório afirmando que considera a aprovação da reforma seu ‘cenário-base’ para 2017, que prevê o Ibovespa a 75 mil pontos. Já a não aprovação faria o índice retroceder várias casas, de volta à faixa dos 59 mil.
Ignorar o risco dos ‘cisnes negros’ que costumam nascer em Brasília, no entanto, é o principal erro do mercado, afirma um outro gestor.
“Claramente o que se viu nos últimos dias é um movimento exagerado, que está dando como certa a aprovação das reformas. A economia pode estar começando a dar sinais de melhora, mas o fato é que o governo ainda não tem os votos necessários para a reforma e qualquer soluço em relação a isso pode botar tudo por água abaixo”, ressalta.
No time dos ‘bears’, desde o ano passado Luis Stuhlberger vem batendo na tecla de que o risco político está sendo subestimado.
O gestor do fundo Verde avalia que as concessões necessárias para aprovar a reforma da previdência na Câmara podem ser tão grandes que seu efeito será inócuo.
“O conteúdo da reforma tem sido sistematicamente aguado e as negociações políticas estão apenas começando. O mercado, por enquanto, se mantém complacente, e isso nos preocupa. Não sabemos até quando, mas nos lembramos da situação do grão que desmorona a pilha de areia. Qual vai ser a concessão na reforma da previdência que vai provocar uma correção não-linear dos mercados?” perguntou a equipe no Verde em seu relatório de março. De lá pra cá, o mercado tem digerido bem as inúmeras concessões.
A carta de abril do Verde deve sair no começo da semana que vem.
A indefinição acontece num momento em que os investidores estão subalocados em bolsa. Dados da Anbima referentes a fevereiro mostram que apenas 8,5% do patrimônio total de fundos domésticos estava investido em ações – o menor índice pelo menos desde 2000.
A alocação dos fundos de pensão em bolsa também está nas mínimas históricas. Em dezembro, ficou em 18,1%, segundo dados da Abrapp – em 2014, essa fatia era de 24,7%.
Desde o impeachment, os investidores estrangeiros já começaram a ensaiar um retorno para a bolsa brasileira. A fatia de recursos de ações globais no Brasil estava em 1,1% em fevereiro, acima dos 0,57% de um ano antes, mas muito abaixo dos 2,33% de abril de 2012. A mesma trajetória se aplica a fundos de mercados emergentes, e voltados para a América Latina.
Nas contas do BTG, se as alocações voltarem aos níveis de 2012, mais de R$ 215 bilhões podem retornar para a Bovespa.