Ray Dalio fez um post no Linkedin para explicar “algumas das coisas loucas que estão acontecendo, por que elas estão acontecendo, e por que eu acredito que elas são insustentáveis.”
Dalio diz que a próxima crise mundial será marcada pela inflação. Sua tese: existe muito dinheiro do mundo correndo atrás dos mesmos ativos, mas ele só está disponível para quem não precisa. A culpa é dos grandes bancos centrais, que tentam gerar crescimento encharcando o mercado de dinheiro. Enquanto isso, vai faltar dinheiro para pagar pensões e assistência de saúde, já que os fundos de pensão estão trabalhando com taxas de retorno irrealistas. No final, diz Dalio, os governos vão imprimir dinheiro adoidado.
Depois de décadas de raras declarações e aparições públicas, o fundador e co-chief investment officer da Bridgewater Associates — o maior hedge fund do mundo — começou a ocupar todas as plataformas para falar de seu método de análise, discutir os mercados e alertar sobre a economia global.
Abaixo, uma tradução feita pelo Brazil Journal:
Eu digo essas coisas [que o mundo enlouqueceu e o sistema está quebrado] porque:
O dinheiro está de graça para aqueles que tem crédito na praça porque os investidores que estão dando dinheiro a eles estão dispostos a receber de volta menos do que colocam. Mais especificamente, os investidores que emprestam a quem tem crédito aceitarão taxas de juros muito baixas ou negativas e não exigirão o principal de volta no futuro próximo. Eles estão fazendo isso porque têm uma quantidade enorme de dinheiro para investir, que foi e continua sendo empurrada para cima deles por bancos centrais comprando ativos financeiros numa tentativa fútil de aumentar a atividade econômica e a inflação.
A razão pela qual esse dinheiro que está sendo empurrado nos investidores não está impulsionando significativamente nem o crescimento nem a inflação é porque os investidores que o recebem querem investir, e não gastá-lo.
Isso está criando uma dinâmica de “empurrar a corda” que já aconteceu muitas vezes na história (embora não em nossas vidas) e foi bastante explicada em meu livro “Principles for Navigating Big Debt Crises.” Como resultado dessa dinâmica, os preços dos ativos financeiros subiram bastante e os retornos futuros esperados diminuíram, enquanto o crescimento econômico e a inflação permanecem lentos. Esses grandes aumentos nos preços dos ativos e os baixos retornos esperados resultantes não são verdade apenas para os títulos de dívida; são verdade também para as ações, private equity e venture capital, embora os baixos retornos esperados desses ativos não sejam tão aparentes quanto os investimentos em dívida porque esses investimentos (que se assemelham mais a ações) não declararam seus retornos da mesma forma que os títulos de renda fixa.
Como resultado, seus retornos esperados ficam para a imaginação dos investidores. Como os investidores têm tanto dinheiro para investir e como há histórias de sucesso anteriores de empresas de tecnologia revolucionárias que deram muito certo, mais empresas do que nunca — desde a bolha das pontocom — não precisam ter lucros ou sequer caminhos claros para a rentabilidade para vender suas ações porque, em vez disso, elas podem vender seus sonhos para os investidores que estão cheios de dinheiro e capacidade de alavancagem.
Existe agora tanta liquidez querendo comprar esses sonhos que, em alguns casos, os investidores de venture capital estão empurrando dinheiro em startups que não querem mais dinheiro porque já têm mais que o suficiente; mas os investidores estão ameaçando prejudicar essas empresas, investindo pesado em seus concorrentes se eles não aceitarem o dinheiro. Essa enxurrada de dinheiro é compreensível porque esses gestores de capital de risco e private equity agora têm pilhas de dinheiro comprometido e não investido que eles precisam investir para honrar seus compromissos com os clientes e cobrar suas taxas.
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Ao mesmo tempo, há grandes déficits públicos que, quase com certeza, ainda devem aumentar substancialmente, o que exigirá que os governos emitam mais dívida em enormes quantidades — volumes que não poderão ser absorvidos naturalmente sem elevar as taxas de juros no momento em que uma alta na taxa de juros seria devastadora para os mercados e economias, já que o mundo está tão alavancado. De onde virá o dinheiro para comprar esses títulos e financiar esses déficits? Quase certamente virá dos bancos centrais, que comprarão essa dívida imprimindo mais dinheiro. Toda essa dinâmica na qual a finança séria está sendo jogada pela janela deve continuar e provavelmente se acelerará, especialmente nos países de moedas de reserva e nas suas moedas — ou seja, nos EUA, na Europa e no Japão, e no dólar, euro e iene.
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Ao mesmo tempo, os vencimentos de pagamentos de pensões e assistência médica se aproximam cada vez mais, enquanto muitos dos que são obrigados a pagá-los não têm dinheiro suficiente para cumprir suas obrigações. Neste momento, muitos fundos de pensão que possuem investimentos destinados a cumprir suas obrigações trabalham com expectativas de retornos chanceladas por seus reguladores. Esses retornos são tipicamente muito mais altos (cerca de 7%) do que os retornos de mercado que estão embutidos nos preços e que provavelmente serão produzidos. Como resultado, é improvável que muitos desses fundos de pensão tenham dinheiro suficiente para cumprir suas obrigações. Os recipientes desses benefícios são normalmente professores e outros funcionários do Estado que já estão sendo pressionados por cortes no orçamento.
É improvável que eles aceitem um corte nos seus benefícios silenciosamente.
Enquanto as aposentadorias têm pelo menos alguma base de financiamento, a maioria das obrigações com a saúde é paga conforme o uso, e por causa da mudança demográfica — com cada vez menos trabalhadores tendo que bancar uma população envelhecida que precisa de cuidados de saúde — não há dinheiro suficiente para financiar essas obrigações também. Como o dinheiro não existe, provavelmente haverá uma batalha horrorosa para determinar quanto do hiato será preenchido por 1) redução de benefícios, 2) aumento de impostos e 3) impressão de dinheiro (o que teria que ser feito no nível federal e repassado para aqueles que precisam no nível estadual).
Isso irá exacerbar a batalha do fosso da renda. Embora nenhum desses três caminhos seja bom, imprimir dinheiro é o caminho mais fácil, porque é a maneira mais escondida de transferir riqueza e tende a elevar os preços dos ativos. No final, a dívida e outras obrigações financeiras denominadas na quantia devida exigem apenas que o devedor entregue dinheiro; como não há limitações quanto às quantias de dinheiro que podem ser impressas ou ao valor desse dinheiro, é o caminho mais fácil. O grande risco desse caminho é que ele ameaça a viabilidade das três principais moedas de reserva como depósitos de riqueza. Ao mesmo tempo, se os formuladores de políticas públicas não puderem monetizar essas obrigações, a batalha entre ricos e pobres sobre quanto os gastos devem ser cortados e quanto os impostos devem ser aumentados será pior ainda. Como resultado, os capitalistas ricos vão cada vez mais se mudar para lugares em que as diferenças e os conflitos de riqueza sejam menos graves, e os governos daqueles lugares que estarão perdendo esses grandes contribuintes vão tentar cada vez mais impedir sua saída.
• Ao mesmo tempo em que o dinheiro é essencialmente gratuito para quem tem dinheiro e capacidade creditícia, ele está essencialmente indisponível para aqueles que não têm dinheiro e crédito, o que contribui para o aumento dos gaps de riqueza, de oportunidade e a polarização política. Também contribuem para esses gaps os avanços tecnológicos que animam investidores e empresários enquanto substituem os trabalhadores por máquinas. Como o processo de “trickle down” — pelo qual o dinheiro do topo ‘escorre’ e melhora a renda e o crédito dos trabalhadores — não está funcionando, o sistema de fazer o capitalismo funcionar bem para a maioria das pessoas está quebrado.
Esse conjunto de circunstâncias é insustentável e certamente não pode mais ser promovido como tem sido desde 2008. É por isso que acredito que o mundo está se aproximando de uma grande mudança de paradigma.
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