Nos próximos dias, a Petrobras espera nomear um diretor de governança corporativa. A ideia é parte de uma mentalidade terapêutica que propõe aplicar um band-aid para lidar com uma metástase. Certamente será um nome respeitável — um band-aid legal, com coraçõezinhos vermelhos ou o gato da Hello Kitty — mas nem de longe o que o paciente precisa.
O “Diretor de Governança, Risco e Conformidade” será o terceiro integrante do Comitê Especial que a Petrobras está criando para “acompanhar as investigações de forma independente.”
Este comitê é um exemplo de como o Governo às vezes se esforça para enviar os sinais corretos, mas mesmo assim fracassa: o comitê foi anunciado em 24 de dezembro, uma data em que todo mundo tem uma ótima desculpa para não querer ouvir falar de Petrobras.
Para esta nova instância de supervisão, o governo convidou a ex-ministra do STF Ellen Gracie. Alguns analistas já apontaram a participação da ex-ministra no vexame da OGX, da qual foi conselheira, mas a coluna prefere enxergar que o Governo Dilma convidou, para um órgão de supervisão na Petrobras, uma ministra do Supremo nomeada por Fernando Henrique Cardoso. Já é um começo.
O segundo membro do Comitê Especial é ainda mais simbólico: o alemão Andreas Pohlmann, que foi contratado como diretor de Governança da Siemens em 2007, quando a Siemens se metera num escândalo de corrupção de proporções… bem, de proporções pueris perto do que aconteceu na Petrobras. Pohlmann ficou no cargo até 2010 e hoje é um consultor de governança respeitado mundialmente.
Mesmo assim, tudo isso é muito pouco, e tarde demais.
O que o paciente precisa é de um tratamento de choque. A Presidente deveria defenestrar toda a diretoria da Petrobras — culpados ou inocentes — e o seu conselho de administração. E deveria chamar os tais nomes consagrados do empresariado nacional, ventilados nas últimas semanas — mas para uma faxina completa, não uma limpeza parcial.
A reinvenção da Petrobras só pode acontecer se a empresa se desvencilhar por completo de todos os acordos, amarras, compromissos e piscadelas que a algemam a um passado de aparelhamento, superfaturamento e descarrilhamento do que já foi, um dia, um orgulho nacional.
A inoperância da Presidente Dilma neste episódio tem contribuído para a deterioração acelerada das expectativas em relação à empresa. Sua decisão de manter Graça Foster no cargo (mesmo enquanto considera nomes para o conselho) é a senha de que haverá uma mudança, “mas não vamos exagerar.”
Mas Dilma precisa exagerar.
A Presidente parece convicta da viabilidade de se trocar o motor com o avião em pleno vôo. Mas ao contrário do que ela possa pensar, o motor da Petrobras não é o petróleo que jorra na Bacia de Campos, mas as pessoas que trabalham na Avenida Chile e fazem a empresa funcionar. Se o Brasil aprendeu alguma coisa com o sucesso de Jorge Paulo Lemann e companhia, foi que as empresas são as pessoas.
Na Petrobras, a confiança que lubrifica as relações de trabalho se rompeu, e a confiança de acionistas e credores evapora a cada dia. Os credores estão batendo à porta , e os acionistas, fazendo as malas. Nos três primeiros pregões de 2015, a companhia já perdeu 19% de seu valor — uma espiral que só pode ser revertida quando o Governo oferecer à empresa um novo começo.
É claro que uma ruptura com o passado não é sem riscos. Trocar a cúpula da Petrobras pode literalmente parar a empresa. Mas talvez este seja mais um (sobre)preço a pagar.
Ao contrário do que acontece em Las Vegas, o que acontece na Petrobras não fica na Petrobras. Atingida pelo cisne negro da corrupção, sua gigantesca cadeia de fornecedores está demitindo pais de família — gente honesta, vítima de gente bandida. O País tem que lidar também com as empreiteiras envolvidas nos desvios, responsáveis por boa parte das obras de infraestrutura do Brasil, mas cuja obtenção de leniência criaria um moral hazard que o Brasil não tem como aceitar. Há, ainda, as investigações nos EUA… afinal, na falta de justiça divina para essa gente, há sempre a Justiça americana.
Há algumas semanas, começaram a surgir na imprensa — inclusive nesta coluna — nomes de empresários que o Planalto estaria considerando para o comando da Petrobras. Dias depois, no entanto, surgiu a notícia de que Graça Foster seria mantida, e que tudo que a Presidente quer trocar é o conselho.
Infelizmente para a Presidente, o plano do superconselho está fadado ao fracasso. Parece remota a chance de que grandes empresários e executivos respeitados aceitem a missão de supervisionar uma empresa sobre a qual, a cada dia, o Brasil descobre saber tão pouco.
E mais: como é que estes empresários e executivos — que respiram capitalismo em seu dia-a-dia — aceitariam ser conselheiros de uma empresa na qual o lucro não é a prioridade, onde quem manda é a contingência política, e tendo abaixo de si diretores que estavam in the house quando o furacão da fraude passou por ali?
É bem verdade que o conselho da Petrobras precisa mudar, em composição e atitude . Nos últimos anos, ele se tornou um dos órgãos mais opacos do capitalismo nacional, como se a Petrobras fosse, de fato, só do governo, e não uma empresa com acionistas minoritários. Nada do conselho da Petrobras fica público. Até dezembro, a última ata de reunião publicada era de julho de 2012. (A lei manda publicar atas que gerem efeitos perante terceiros, mas, como se sabe, nada do que aconteceu na Petrobras desde 2012 gerou efeito para terceiros…) E a empresa já teve a pachorra de interpelar um conselheiro independente por uma declaração dada à imprensa.
Enquanto isso, a auditoria PWC (antes cega, agora guardiã da porta arrombada) continua se recusando a assinar o balanço auditado do terceiro trimestre, sem o qual a Petrobras permanece um pária no mercado de dívida internacional, incapaz de vender uma nota promissória para encher o tanque no posto da esquina e perigosamente exposta à desvalorização do real.
A derrocada da Petrobras se insere num grande ‘climão’ nacional: a economia não cresce, o ajuste fiscal vai doer, e há nos meios políticos a expectativa (senão a certeza) de que mais revelações de corrupção vão azedar o quadro institucional nos próximos meses.
Numa piada que se tornou corriqueira no mercado financeiro nos últimos dias, a pessoa liga e deseja um “feliz 2016”. Diante da dúvida do interlocutor, logo se explica: “É que 2015 já está perdido.”
Nunca antes na história deste país o nível de incerteza foi tão atemorizante e o pessimismo entre os tomadores de decisão tão contagiante. “Se você acha que existe o fundo do poço… não existe. O fundo pode sempre ser mais embaixo,” disse à coluna um empresário com experiência de Governo. Essa ciranda de melancolia só vai parar quando a Petrobras parar de estrebuchar em praça pública.
“Esse debacle da Petrobras pode se tornar irreversível,” diz um empresário com trânsito no governo. “O escândalo acontece num momento internacional muito ruim pro setor e pode levar a conseqüências gravíssimas como default na dívida e erosão de valor em todo o mercado de capitais brasileiro. O governo está agindo de forma irresponsável.”