A disposição de Michael Bloomberg de concorrer à Casa Branca deveria provocar uma pergunta tão oportuna quanto sensível no Brasil: qual é o papel dos empresários na política brasileira?
Bloomberg está pensando em se candidatar porque a campanha presidencial americana está dominada pelo extremismo nos dois principais partidos: o Democrata, com Bernie Sanders, e o Republicano, com o religioso Ted Cruz e o franco-atirador Donald Trump, cujos notórios problemas de temperamento não combinam bem com o acesso ao botão nuclear.
No Brasil, a política não sofre com o extremismo (ainda), mas com a criminalidade endêmica e a incompetência generalizada. O Executivo e o Legislativo estão há muito dominados por gente que nada entende de economia e cuja prioridade é sua própria reeleição. Boa parte dos Congressistas responde a processos, e a classe política está mais desacreditada do que nunca.
Tendo em vista o estado da política tradicional, o que aconteceria se pessoas que já estão com a vida ganha e não precisam provar mais nada a ninguém se candidatassem ao cargo mais alto da nação, gastando não o dinheiro das empreiteiras mas o seu próprio (obviamente, no limite do que a legislação permite)?
Pense, por exemplo, num Edson Bueno da vida. O menino pobre e interiorano construiu ao longo de décadas a maior empresa brasileira de medicina de grupo, a Amil, e demonstrou ‘timing’ perfeito ao vendê-la, ainda em 2012, por mais de 6 bilhões de reais. Considere também um Salim Mattar, que transformou uma pequena locadora de veículos em 1973 — com seis Fuscas usados e financiados — na maior empresa do ramo na América Latina. E o que dizer de um Abílio Diniz, que aos 79 anos parece ter mais energia do que todo o Ministério de Dilma Rousseff?
Já imaginaram um empresário destes num debate presidencial? Enquanto os políticos tradicionais estão ali vendendo sonhos e traficando impossibilidades, o empresário está lá falando que as coisas não são tão fáceis assim, que não existe almoço grátis, e dando exemplos da vida real, desse desafio diário que é fazer crescer uma empresa no Brasil, em meio a impostos cavalares e uma burocracia asinina. A desonestidade na política hoje é tão chocante que o eleitor provavelmente se encantaria com a sinceridade inédita.
O caminho de um empresário ao Palácio do Planato não estaria pavimentado com rosas. O primeiro obstáculo a vencer é a ideia — tão brasileira — de que o empresário é um cara mau, que acumula à custa dos pobres. É triste admitir, mas esta é a narrativa que embala a relação dos brasileiros com o sucesso. Os adversários acusariam Edson Bueno de “se locupletar com a doença dos outros,” e diriam que Salim Mattar “cobra mais do que a concorrência” (ele cobra, pois o serviço tende a ser melhor). Não quero nem imaginar o que diriam de um banqueiro.
O fato é que a demonização do empresário no Brasil é uma realidade política, como ficou claro recentemente, quando em que o envolvimento de Neca Setúbal na campanha de Marina Silva foi pintado pelo PT como sequestro mental da candidata pelos bancos (Neca é irmã de Roberto Setúbal, acionista e presidente do Itaú).
Um grande executivo me disse outro dia que, “cometemos um erro terrível: acreditamos que o pessoal em Brasília podia fazer qualquer m…, e nós continuaríamos tocando nossas empresas sem que uma coisa interferisse na outra.” Com o agravamento da recessão e a crise fiscal épica, agora os empresários vêem que as coisas não são bem assim.
Na história recente brasileira, Silvio Santos tentou uma candidatura de última hora (em 1989) e se arrependeu. José Alencar emprestou suas credenciais capitalistas a Lula, mas infelizmente não está aí para fazer uma reflexão. De forma geral, no entanto, os empresários se limitam a ser financiadores de campanha (frequentemente dando dinheiro para ambos os lados por medo de retaliação do vencedor), e, em alguns casos, se dedicam a uma interlocução privilegiada com o Planalto na tentativa de influir com boas ideias trazidas do setor privado. À luz dos acontecimentos, este papel parece hoje limitado e démodé.
Ainda assim, as chances de um grande empresário brasileiro entrar numa campanha presidencial tende a zero — como acontece com inúmeros brasileiros de bem. Há muito tempo que tudo o que está podre na política repele o que seria saudável para ela. Além disso, pouca gente está disposta ao sacrifício de ter sua vida privada devassada, e um potencial candidato teria que se afastar de sua empresa (frequentemente, a obra de uma vida) para evitar potenciais conflitos.
Mas como a política está vivendo uma quebra de paradigmas, não custa sonhar com o dia em que os empreendedores terão um representante de fato no palco do Poder. Talvez o empresário-candidato não precisasse nem ganhar a eleição; assim como no caso de Bloomberg, só o fato de elevar o nível do debate e mostrar as coisas como elas são já seria um imenso serviço público.
* Uma versão mais curta deste artigo apareceu na edição de 24 de fevereiro de VEJA.