Uma briga por cinco andares de um edifício comercial no coração financeiro de São Paulo opõe, de um lado, cotistas de um fundo imobiliário; de outro, a gestora de um ex-executivo da Cyrela Commercial Properties (CCP), que desenvolveu o imóvel; e, no meio, o BTG, o administrador do fundo, acusado de não estar defendendo os interesses dos cotistas.
Em jogo: quanto valem cinco andares do Thera, um prédio comercial state-of-the-art na Avenida Berrini, a alguns quarteirões da Faria Lima?
Num mercado onde preço e valor entram em descompasso em momentos de crise, a briga pelo FII Cyrela Thera Corporate mostra a vulnerabilidade — real ou percebida — dos cotistas de fundos imobiliários, um mercado dominado por pessoas físicas buscando um mix de segurança e renda.
O caso ilustra como os cotistas se vêem órfãos de aconselhamento financeiro num momento crítico para o mercado imobiliário, onde os preços dos FIIs em Bolsa já começaram a se recuperar mas a vacância continua estratosférica graças à recessão.
Quando lançou o fundo Thera em novembro de 2011, a CCP vendeu as cotas pelo equivalente a R$ 18.000,00 o metro quadrado, em valores corrigidos pela inflação. No mês passado, a Barzel Properties, uma gestora imobiliária que tem dinheiro de investidores institucionais, fez uma oferta aos cotistas do Thera pelos cinco andares do prédio, pagando R$ 9.500,00 o metro quadrado. O fundador e principal sócio da Barzel é Nessim Daniel Sarfati, que por quase três décadas foi o braço direito do fundador da Cyrela, Eli Horn. Nessim é o pai de uma série de edifícios que definem a paisagem da Faria Lima. Se existe uma autoridade sobre preço de imóveis comerciais em São Paulo, esta autoridade é ele.
Os cotistas do Thera receberam mal a oferta e começaram a se organizar; circula entre eles um pedido de procuração para voto contra.
A primeira queixa: a oferta foi inferior ao preço que a própria Barzel pagou à CCP, em dezembro, pelos outros 10 andares do Thera, uma transação feita a R$ 11.146,00 o metro quadrado. De lá pra cá, o IFIX (o índice que mede uma cesta de fundos imobiliários listados em Bolsa) já subiu 17%. “Para ser justa, a oferta da Barzel deveria ser, pelo menos, o que ela ofereceu à CCP, sem falar que o mercado já andou de lá pra cá,” diz um cotista.
Outra comparação é o Edifício Plaza JK — próximo ao Thera, mas com a desvantagem de ser um imóvel com 20 anos de idade (o Thera ficou pronto em 2015). Um conjunto do Plaza JK foi vendido no final de agosto por R$14.951,00 o metro quadrado. O vendedor foi outro fundo imobiliário, o CSHG Real Estate, e o imóvel se encontrava vago à época da venda. Já os andares do Thera que pertencem ao fundo estão 70% locados, 10% em fase de minuta e 20% em negociação.
A segunda queixa é dirigida ao BTG. Os cotistas dizem que o banco, como administrador do fundo, não os está municiando com informação e projeções sobre o valor do Thera no médio e longo prazos. Um dos cotistas, Ricardo Valente, pediu a destituição do BTG como administrador, de acordo com a ata da última assembleia, e o GRIFI (Grupo de Investidores em Fundos Imobiliários), que reúne 44 investidores, representou na CVM contra o BTG.
“O risco aqui é o pequeno investidor virar o jantar do grande no pior momento possível,” diz um cotista insatisfeito com a proposta e com o BTG. “Qualquer fundo está sujeito a isso. O único que pode proteger o cotista é o administrador.”
Em nota ao Brazil Journal, o BTG disse que está seguindo “todos os procedimentos determinados pela CVM quanto à proposta de venda do imóvel pelo fundo.” O banco disse ainda que, “ao ser questionado por um grupo específico de cotistas sobre procedimentos adicionais aos exigidos pela legislação, se comprometeu a envidar maiores esforços, sempre atendendo aos requisitos da regulamentação aplicável e aos interesses da coletividade de cotistas.”
Na nota, o banco disse ainda que a decisão de vender ou não o imóvel cabe exclusivamente à assembleia de cotistas, já que o papel do administrador neste caso é principalmente fiduciário, e não de gestão ativa.
Outra preocupação dos cotistas é o Credit Suisse, que eles temem possa estar alinhado com a Barzel. Por meio de dois fundos de investimento, o CS controla cerca de 100.000 cotas do Thera, ou 6,8% do capital do fundo. Como o capital do Thera é pulverizado entre 1.512 cotistas, e a maioria deles nem comparece às assembleias, a posição do Credit Suisse pode decidir o jogo. Na assembleia de cotistas, um representante do banco chamou a atenção dos presentes por dizer que não considerava a oferta “tão ruim”.
A Barzel já aumentou sua oferta em 5%, e o destino do Thera será decidido numa assembleia em 8 de julho, mas a celeuma ainda vai gerar uma discussão importante sobre o papel de cada participante num mercado que cresceu nos últimos anos graças ao investidor de varejo.
“Quando os bancos vão vender um fundo, eles fazem um esforço de venda enorme: tem prospecto, reunião, os gerentes vão a campo, falam da valorização a longo prazo, de como o negócio é bom…” diz um cotista insatisfeito. “Mas quando é para um grande comprar, eles mandam só uma cartinha dizendo, ‘compareça no dia tal, hora tal, para decidir sobre a venda e extinção do fundo’.”