Quando fechou recentemente o restaurante que levava seu nome, a chef Roberta Sudbrack não saiu em silêncio.
Em entrevistas e posts nas redes sociais, Roberta refletiu sobre o estado da alta gastronomia, e se disse ‘desiludida’ com o modelo.
“Eu não acredito mais na forma como acredito no conteúdo,” declarou.
Autora de clássicos como o caviar de quiabo, o bomboloni e o ovo caipira poché com crocante de pão e foie gras, Roberta abriu seu restaurante depois de cozinhar para o Presidente Fernando Henrique Cardoso no Palácio da Alvorada, onde produziu jantares para chefes de Estado como Tony Blair, Fidel Castro e Carlos Menem.
Doze anos, uma estrela Michelin e incontáveis inovações depois, Roberta diz que o mundo das panelas Le Creuset é vítima da ‘pasteurização’, e que o menu degustação ‘saturou, perdeu a graça’.
No meio tempo, anunciou que ainda este ano abrirá um novo restaurante, “que marcará justamente esta ruptura” com a alta gastronomia.
Num setor tão pequeno e delicado quanto os próprios restaurantes do ramo, os comentários de Roberta causaram indigestão.
Aparentemente ofendido, o chef Felipe Bronze, do restaurante Oro, respondeu num artigo no Globo.
“Se hoje Roberta Sudbrack prefere um modelo mais simples e inclusivo, que o faça com todo orgulho do mundo e vá ser feliz. Tenho certeza que terá sempre excelente comida e a admiração de muitos cozinheiros. Mas respeitar a forma de trabalho de tantos profissionais apaixonados por seu ofício pode ser um caminho mais equilibrado e justo a seguir. Há espaço para todos,” escreveu o chef.
Disse mais: “Melhor serviço poderia prestar a chef se atacasse a louca carga de impostos que incidem em nossos restaurantes, as insanas leis trabalhistas que regem nossas relações profissionais, aos aluguéis caríssimos e a insegurança que a violência nos impõe. … Seja qual for o modelo de negócio, esses fatores podem levar qualquer barco a naufragar, mesmo sob a direção de um grande capitão.”
Bronze e Roberta já tinham se bicado antes, quando ela criticava a cozinha molecular, “cheia de máquinas” — o estilo que ajudou Bronze a ficar conhecido.
Mas mais que um bate-boca entre dois chefs conceituados, a Sud-controvérsia sublinha uma verdade frequentemente esquecida: os retornos da alta gastronomia sempre foram desproporcionais ao seu charme.
E a coisa piorou muito nos últimos anos, quando a inflação à la Rousseff e a desvalorização do real fizeram disparar o custo dos ingredientes, ao mesmo tempo em que a demanda encolhia, dificultando o repasse de preços.
Roberta é ambígua sobre o assunto. No Instagram, disse: “O RS não fechou a porta porque a crise bateu nela. Ela bateu sim. Nós sentimos sim. Mas poderíamos seguir. Alta gastronomia séria nunca deu dinheiro. Nem nunca dará. É um princípio básico.”
Mas numa entrevista ao Paladar, caderno de gastronomia do Estadão, pareceu mais incomodada com esta realidade: “Apesar de toda história que eu construí, de todo o caminho que eu trilhei, de todos os prêmios que eu ganhei e todo o respeito que conquistei, ainda não consegui comprar o meu apartamento! Não é hipocrisia.”
Segundo empresários do setor ouvidos pelo Brazil Journal, em tempos econômicos normais e com uma gestão competente, um restaurante de alta gastronomia pode ter uma margem operacional de cerca de 15%: os insumos consomem cerca de 35% do faturamento; as despesas administrativas – funcionários, chef e aluguel – levam 40%, e os impostos mordem outros 10%.
Mas desde 2014, quando a recessão chegou para o jantar, o retorno ficou bem mais espremido e a eficiência virou a ‘pièce de résistance‘ do cardápio – uma equação complicada num segmento onde o luxo é mandatório e a economia tem de ser feita sem detrimento da qualidade.
Para piorar, no fim de 2015 o Governo aumentou o imposto de importação sobre vinhos, o que provocou um aumento de cerca de 25% — nem sempre repassado integralmente.
Ao tentar reduzir sua folha de pagamento, os restaurateurs eram lembrados daquela realidade getuliana: o custo de rescisão proibitivo.
A Lava Jato também reduziu a demanda em algumas casas, com pelo menos um dono de restaurante brincando que “muitos dos meus clientes hoje estão em Curitiba.”
Finalmente, muitos restaurantes vão à bancarrota por causa dos aluguéis. Em São Paulo, parece ter havido uma racionalidade maior, e hoje o aluguel em regiões como Pinheiros e Jardins chega a ser de 30% a 40% menor do que há dois anos. No Rio, essa redução aconteceu, mas em escala bem menor.
Em muitos restaurantes, a estratégia foi aumentar o giro fora do horário nobre – o jantar de quinta a sábado – para diluir os custos fixos. Muitas casas reforçaram os investimentos em marketing, reformularam o menu executivo de almoço e hoje lutam por mais eventos corporativos. “Se tivéssemos mantido a mesma estrutura de quando abrimos, com certeza estaríamos no vermelho”, diz um investidor em restaurantes.
Uma dessas casas é o Salvatore Loi, comandada pelo chef italiano que fez seu nome no Fasano. A casa foi aberta em maio de 2016 e tem um tíquete médio entre R$ 250 e R$ 300. Ali, os investidores se reúnem mensalmente para vigiar os custos e o retorno do menu. Um sistema monitora o retorno de cada prato que chega às mesas: ele controla a quantidade de cada ingrediente utilizado e o último preço pago pelo insumo, fornecendo um relatório com as margens.
“A alta gastronomia não morreu, mas está diminuindo,” diz Guilherme Vilazante, um dos sócios do Loi. “O PIB caiu 3,5% por dois anos consecutivos. É um cenário de guerra, que deixa alguns feridos. Tem mais chances de sobreviver quem tem marca, estava capitalizado e conseguiu adaptar o modelo.”