Em 2015, um painel da South by Southwest (SXSW), evento anual de inovação e cultura realizado no Texas, discutia a escassa presença feminina nas empresas de tecnologia.
Na mesa, estavam a Chief Technology Officer do Governo dos EUA, Megan Smith, o então chairman do Google, Eric Schmidt, e o jornalista e biógrafo de Steve Jobs, Walter Isaacson.
Mas apesar do tema, sempre que a única mulher da mesa tentava fazer uma colocação, ela era interrompida por um dos colegas: “Sim, Senhora Smith, sei que você pode falar sobre isso melhor que ninguém, mas é que…”
A situação chegou a tal ponto que uma mulher na plateia se levantou e perguntou por que eles não deixavam Megan falar.
O público aplaudiu de pé.
O episódio é a síntese de um problema literalmente silencioso enfrentado pelas mulheres e que, de tão comum, ganhou nome: ‘manterrupting’.
Mesmo em cargos de autoridade, elas são frequentemente interrompidas por eles – e têm dificuldade para ser ouvidas, especialmente no ambiente de trabalho.
Para deixar claro que o problema realmente existe, a agência de publicidade BETC São Paulo — subsidiária da holding francesa Havas — lançou há pouco mais de um mês um aplicativo chamado Woman Interrupted.
Usando a voz do usuário como parâmetro e a diferença na frequência entre as vozes masculina e feminina, o app cataloga os momentos em que a usuária é interrompida por um homem – ou, no caso de um usuário masculino, em quais momentos ele interrompeu uma mulher. Disponível em português, inglês, espanhol e francês, o Woman Interrupted não grava a conversa nem apita quando a interrupção acontece — apenas dá um relatório completo das interrupções ao fim de um encontro ou reunião.
O app não soa nenhum alarme e não tem nenhum som, porque, segundo os desenvolvedores, a ideia não é constranger, mas sim mostrar uma realidade que os homens ignoram.
No mês que vem, a agência pretende divulgar quantos downloads o app já teve, bem como o histórico das interrupções registradas.
Estudos já quantificaram a questão em situações públicas.
Na eleição americana, Donald Trump interrompeu Hillary Clinton 51 vezes durante o debate presidencial.
Uma pesquisa feita pela Northwestern Law School mostra que as juízas da Suprema Corte americana são interrompidas três vezes mais que seus colegas homens durante as exposições orais. (As interrupções acontecem não só por parte dos outros juízes, mas até mesmo por advogados – que, por lei, não poderiam interromper os magistrados).
A ideia do aplicativo é dar evidências empíricas do descaso com a opinião feminina em situações cotidianas. “De que adianta ter mais mulheres numa sala de reunião se ninguém escuta o que elas têm a dizer?”, diz Gal Barradas, co-presidente da BETC São Paulo e da Havas no Brasil.
As mulheres já são minoria em cargos de liderança. De acordo com um levantamento do Credit Suisse com as 3.000 maiores empresas globais, apenas 15% dos executivos em altos cargos são do sexo feminino.
E, mesmo quando elas chegam lá, tem menos espaço para expor suas ideias: os homens falam 75% do tempo em reuniões de trabalho, segundo pesquisa feita em 2012 pela Universidade de Brigham Young nos Estados Unidos.
A BETC (e seus controladores franceses) levam a sério o ideal da igualdade de gêneros. Tanto a sede quanto os escritórios espalhados pelo mundo são co-liderados por um homem e uma mulher, e há políticas claras para que profissionais de ambos os sexos tenham o mesmo salário para cargos semelhantes.
O board executivo da BETC — que no Brasil atende contas como Peugeot, Hering e Pão de Açúcar – é dividido igualitariamente entre homens e mulheres. Mas, mesmo dentro da agência, onde há toda essa preocupação, os homens se surpreenderam com quantas interrupções faziam às suas colegas quando viram as medições do aplicativo após as reuniões, diz Gal.
No início de sua carreira profissional de 25 anos — que inclui agências como Duda Propaganda, de Duda Mendonça, W/Brasil e F/Nazca — ela era a única mulher numa conta de publicidade de cerveja. Houve situações em que os homens estavam reunidos e pediam para ela esperar fora da sala para só depois entrar; além de fazer piadas sexistas quando ela estava na sala.
“Hoje isso é extremamente reprovável, mas antes era natural, nem eu me dava conta do problema,” diz. “Há menos tolerância com o machismo explícito, o que é um enorme avanço. Mas há um machismo implícito, mais difícil de atacar, e que também tolhe nossa liberdade. Espero que daqui a alguns anos a gente olhe para trás e ria de ter que ter criado um aplicativo para que as mulheres pudessem falar.”