Quando foi para a Bolsa, três anos depois da concorrente Multiplus, a Smiles valia R$ 2,2 bilhões, quase R$ 1 bilhão a mais que sua controladora, a Gol.
Quatro anos depois, a companhia aérea dobrou, mas a empresa de fidelidade quadruplicou. Mais que isso, a Smiles também se descolou da Multiplus, que, apesar de liderar o mercado, hoje vale R$ 1,5 bi a menos.
O autor do descolamento é o CEO Leonel Andrade, um executivo que saiu de Salvador aos 29 anos, quando trabalhava no antigo Banco Nacional, e acabou fazendo carreira no mercado de cartões, onde chegou a presidir a Credicard. Os bancos, como se sabe, são o ‘sugar daddy’ das empresas de fidelidade: todos os anos, eles gastam R$ 4 bilhões comprando pontos e milhas para manter os clientes fiéis a seus cartões.
Leonel é um homem de 54 anos que toca a Smiles como se fosse uma startup. Sua meta, estabelecida no IPO e cumprida à risca desde então, é ‘uma inovação a cada três meses’.
Dentre elas, a que gera mais caixa é o programa Smiles & Money, que permite completar o bilhete de milhas com dinheiro — e que a Smiles lançou antes da concorrência. O produto tem surpreendido em tempos de crise. Hoje, nada menos que metade das trocas são nessa modalidade. Só no último trimestre do ano passado, o Smiles & Money faturou R$ 120 milhões.
Do forno das inovações saiu também o Clube Smiles (a assinatura que permite acumular milhas mensalmente), a ampliação da validade das milhas (hoje mais longa que a da Multiplus) e o pagamento da taxa de embarque com milhas.
A novidade mais recente é o programa Viagem Fácil, que permite reservar o bilhete com antecedência e só pagar com milhas mais perto da viagem, permitindo mais tempo para o acúmulo.
O conjunto de inovações tem estimulado o cliente a voar mais.
O breakage da Smiles (as milhas que expiram antes do uso e faz com que as empresas ganhem dinheiro economizando no custo do resgate) despencou de 30% para 15% nos últimos quatro anos, e hoje a maior parte do lucro da companhia vem da operação, e não do breakage, o que os investidores interpretam como sinal de saúde do negócio.
Fundado em 1994 como programa de fidelidade da Varig, o Smiles é um dos poucos ativos herdados da velha aérea que a Gol mantém vivo. (O outro grande ativo, que justificou a compra da Varig em 2007, não têm preço e não pode ir a mercado: os slots que a Varig detinha em Congonhas e que hoje permitem à Gol ser a companhia com a maior oferta de voos na Ponte Aérea, o filé mignon da aviação nacional.)
Se hoje o Smiles vale mais do que sua controladora, seu sucesso está intimamente ligado ao desempenho operacional e posicionamento de mercado da própria Gol, que nos últimos anos abandonou o mote de empresa popular (campanhas como “Voe Gol com preço de Ônibus”) para focar no mercado corporativo, onde os yields são maiores.
É uma relação simbiótica.
A própria malha da Gol acabou sendo um fator que beneficiou a Smiles.
Como tem pouquíssimos vôos para fora do País, a Gol fez parceria com 13 companhias aéreas internacionais, aumentando o apelo do Smiles para passageiros de negócios, que juntam milhas para curtir Miami ou Paris uma vez por ano.
Como não concorre diretamente com nenhuma de suas parceiras internacionais, a Gol facilita a troca de milhas por viagens nas parceiras, que incluem a Air France, a Delta e a TAP, num total de 9 milhões de voos para 160 países. Os sistemas da Smiles, da Gol e das parceiras estão integrados, de forma simplificada.
A Multiplus tem acesso ao mesmo número de parceiras internacionais (13) por meio da coalizão OneWorld, mas a vida do cliente não é tão fácil. Como muitos dos destinos coincidem com os da LATAM, o resgate nas parceiras é muito mais trabalhoso. Nesse caso, o controlador acaba por atrapalhar.
Sem ter sequer um avião, a Smiles é hoje o maior emissor de passagens do Brasil depois das companhias aéreas. Deve embarcar mais de 5 milhões de passageiros este ano — quase o dobro da CVC, a maior operadora de turismo do País.
Leonel já disse que quer transformar a Smiles numa empresa de turismo. “Não perdemos tempo com varejo, torradeira, aspirador de pó, cafeteira. Adoramos ver os concorrentes promovendo esses produtos”, diz o CEO.
Enquanto na Multiplus 17% dos resgates viram produtos, na Smiles são apenas 5%.
Mas há novas forças querendo tirar o ‘smile’ do rosto de Leonel.
Atraídos pela alta rentabilidade do negócio (a Smiles teve margem EBITDA de 41% no último tri) e tentando conter custos com a compra de milhas, o Banco do Brasil e o Bradesco se uniram para criar a Livelo há cerca de um ano.
A Livelo tem pouco mais de 100 funcionários e 14 milhões de clientes. Leonel acha que — se usar bem a tecnologia e puder contar com as maquininhas da Cielo — a Livelo pode ser um concorrente imbatível nas trocas de pontos por produtos, mas, do lado das viagens, “dificilmente um cliente Livelo que viaja abrirá mão da fidelidade à Smiles ou Multiplus ou TudoAzul, pois precisa desses programas para acumular milhas voadas.”
A vantagem competitiva dos programas ligados às aéreas é ter acesso ao inventário e a preços melhores do que outros. “Difícil os bancos terem competitividade,” diz.
Por outro lado, pelo site da Livelo é possível resgatar passagens para voar em qualquer companhia aérea (750!), bem como transferir os pontos acumulados nos cartões para o programa de qualquer companhia aérea nacional.
Com o aumento da concorrência, nem todos os programas vão continuar sorrindo.