Uma dinâmica perversa está se instalando nos IPOs brasileiros, causando desconforto a emissores e investidores.
Para uns, a origem do problema está nos bancos coordenadores, que prometem à empresa um ‘valuation’ agressivo como um expediente para ganhar o mandato. Em seguida, ao se defrontar com um mercado mais parcimonioso, os bancos coordenadores dizem às empresas que o mercado está resistindo, e sugerem reduzir a ambição de preço.
Com a operação já na rua, duas semanas de roadshows nas costas e o nome da companhia em jogo, o empresário se vê sem opção e concorda.
Na atual safra de IPOs, Movida, Omega e a Camil tiveram que cortar suas faixas de preço para encontrar a demanda e conseguir levar o IPO adiante. Intermédica e Tivit, depois de sondar o mercado, não conseguiram lançar a oferta (três meses depois, a Tivit tentou de novo e lançou, mas se viu forçada a cancelar). Outros dois nomes — Carrefour Brasil e IRB — não chegaram a reduzir seu preço, mas precificaram no ponto mais baixo da faixa indicativa.
Essa agressividade dos bancos não é algo novo — uma boa lábia é parte integral do ‘job description’ de um banqueiro— mas tem sido intensificada no Brasil por um fator singular ao País: o tamanho dos grupos de bancos coordenadores (chamados no jargão de ‘sindicatos’).
“Em nenhum outro país tem tanto banco numa transação só,” diz um gestor global baseado em Nova York. “Os sindicatos são imensos, até porque todos os bancos que dão crédito querem participar das transações. Como é um grupo grande, ninguém quer falar a verdade para o dono da empresa ou pro management. Quando você é o único assessor do cara, ele não vai te mandar embora e vai te ouvir. Mas quando você está em grupo, instala-se uma dinâmica de grupo, e ninguém tem incentivo para falar a verdade. ‘Por que eu vou ser o cara que vai destoar do coro?’”
A agressividade dos bancos “cria uma expectativa insana” e, “como o mercado está em alta, os investidores têm muitas outras opções, não são reféns dos IPOs.”
Mas os bancos não são os únicos responsáveis pelos preços agressivos.
Um banqueiro sênior explica como funciona o processo: “Você faz o ‘valuation’ e apresenta para o cliente, que chama a torcida do Flamengo [outros bancos] pra conversar. Os bancos mais conservadores começam a ser tachados de ‘roda presa’, e o próprio cliente opera os bancos para puxar todo mundo para o valuation mais agressivo. Você fica numa situação delicada e acaba respondendo ao cliente: ‘Vai ser difícil, mas vai sair.’ Ninguém quer ficar fora.”
Muitas vezes, os banqueiros que fazem a interface com a empresa esperam usar a resistência de terceiros para convencer o cliente a baixar a bola. “Quando vai modelar a empresa, às vezes o analista do banco já mostra uma resistência quanto ao valuation, e você usa isso pra tentar domar o cliente.”
Quando isso não funciona, acontece o que está acontecendo agora. “Os bancos deixam a operação ir a mercado [com o múltiplo irreal] e deixam o mercado dar a notícia ruim.”
Quando a empresa começa o roadshow com um preço alto e abaixa somente na reta final, muitos gestores que precisam de mais tempo para tomar decisão (e que foram alienados pelo preço alto logo no início) não têm capacidade de fazer o dever de casa e tomar decisão em 48 ou 72 horas, gerando mais um prejuízo para a empresa emissora.
Parte do problema é que os empresários são, por definição, marinheiros de primeira viagem quando se trata de entender como funciona um IPO. E, como o sindicato é imenso, cada banco diz uma coisa e o empresário fica perdido, querendo acreditar no número mais alto.
“Você pode até colocar oito bancos no sindicato, até porque as pessoas têm relacionamentos comerciais que precisam manter — mas você tem que ter um ‘dono’ do processo, um ou dois bancos em quem você confia e que você vai ouvir. Senão você vai ouvir todo mundo e não vai chegar a conclusão nenhuma.”
Outro aspecto do problema é que o mercado de ações brasileiro é muito pequeno, o que faz com que os principais investidores tenham bastante poder de barganha. Há dois centros de gravidade: os fundos do Leblon — formadores de opinião — e fundos internacionais dedicados (que investem no Brasil), e que conversam rotineiramente com o Leblon.
Uma forma de quebrar a hegemonia dos investidores seria o cliente entender que a melhor forma de acabar com o maior preço é… começar pedindo o menor.
“Se você bota um preço atraente, você quebra esta dinâmica,” diz um banqueiro. “O investidor fica preocupado em não sobrar alocação pra ele. Quanto mais você gera demanda, mais você tem condições depois de ir aumentando a faixa de preço. Mas o cliente sempre olha o piso da faixa que você está propondo — e tenta colocar um piso alto. Ele nunca pensa no topo da faixa.”