Em 35 anos de mercado, o engenheiro agrônomo Werner Roger passou mais de duas décadas cobrindo dívida corporativa: trabalhou no Chase Manhattan, no Citi e na Western Asset Management, onde liderou a área de crédito privado. Foi só em 2007, quando assumiu a estratégia de small caps e mid caps da Victoire, que passou para a renda variável — sua verdadeira vocação.
“Demorei 25 anos para conseguir fazer o que eu sempre quis,” ele disse ao Brazil Journal.
Lá, Werner administrou US$ 1 bi de investidores como a Petros, o norueguês Norges Bank, além de recursos de um dos maiores endowments do mundo.
No ano passado, Werner criou uma nova gestora para dar continuidade à estratégia que desenvolveu na Victoire. A Trígono Capital foca em garimpar oportunidades dentre as 114 empresas da Bolsa com valor de mercado abaixo de R$ 5 bilhões e liquidez diária de até R$ 10 mi.
A Trígono usa três filtros de análise: aplica as ferramentas de EVA (o valor econômico adicionado) no valuation; analisa a capacidade da empresa de pagar dividendos, que é o que “gera valor no longo prazo” segundo Werner; e olha as métricas de ESG, colocando na conta questões sociais, de sustentabilidade e governança.
A gestora ainda é pequena (tem perto de R$ 100 milhões divididos em quatro fundos), mas os resultados fazem justiça à bagagem de Werner: o principal produto da casa está dando um retorno de 52% desde que começou a operar, em abril do ano passado, frente a 22% do Ibovespa.
“As small caps estão completamente subprecificadas porque ninguém está olhando. O mercado está comprando liquidez ao invés de comprar valor,” diz Werner. “Esse prêmio por liquidez não se justifica mais no Brasil de hoje. Talvez com Dilma, PT, e inflação fizesse sentido, mas hoje não.”
“O retorno das small caps é consistentemente superior: nos últimos dez anos, elas renderam mais que o dobro do Ibovespa.”
Werner discutiu suas cinco maiores posições nesta conversa com o Brazil Journal.
A Tupy é a maior posição de vocês hoje. Qual a tese de investimento?
A Tupy é a maior fabricante do mundo de blocos e cabeçotes de ferro fundido para motores. Ela tem 85% das receitas fora do Brasil, então é uma proteção ao dólar e ao mercado interno. Mas essencialmente é uma tese de dividendos — tem um yield de 8% a 9% — e também uma tese de evento. Os maiores acionistas da Tupy, a Previ e a BNDESPar (que tem mais de 50% do capital), estão estudando vender suas participações. O mercado está vendo isso como negativo porque poderia ter um ‘overhang‘, mas achamos que seria muito bom.
Há dois cenários mais prováveis: eles [Previ e BNDESPar] fazerem uma oferta secundária e transformar a Tupy numa corporation, o que seria excelente; ou venderem a empresa para um private equity ou uma multinacional. Como ela tem tag along e achamos que vale muito mais do que está negociando hoje, se for vendido o controle esse cenário vai trazer upside.
Por que acham que está barata?
É uma empresa que não tem problema de dívidas, que gera muito caixa e domina 25% do mercado global de blocos e cabeçotes de ferro fundido para motores. Além disso, tem uma gestão e um conselho excelentes. Ela vai divulgar o resultado semana que vem e vai ser o melhor da história. Mas o mercado não está olhando, porque Tupy está inserida na indústria de bens de capital, e com a guerra comercial todo o setor e as commodities têm sofrido. O pessoal que não olha valor, que só olha o top down — independente se a empresa está barata ou não — está evitando. Mas não compramos top down, compramos valor. O setor pode desaquecer? Pode. Mas está tão barata que vale a pena. Hoje, ela está negociando a um P/L de 9 vezes, e deveria negociar a pelo menos 14x, olhando os pares. O EV/EBITDA está em 4,5x, mas deveria estar em 6.
Outra posição grande de vocês é a Ferbasa. Qual é a visão sobre a empresa e o setor?
É uma empresa 100% em dólar, então você tem um hedge natural. O principal produto deles é o ferro cromo, uma liga que atende o mercado de aço inox. Esse mercado cresceu nos últimos 20 anos numa taxa média de 5% ao ano. Na China, foi acima de dois dígitos. Para se ter uma ideia, o mercado de aço carbono, que é o aço da Gerdau, CSN, cresceu 2,2% ao ano. O mercado da Ferbasa cresce mais que o dobro e está acelerando.
Além disso, o preço do ferro cromo está no menor nível, em termos reais, dos últimos dez anos. Ele está no low do low, e o momento pra você comprar commodities é esse. Pra completar: acreditamos que nos próximos 3 a 8 meses vai ter um forte reajuste no preço do ferro cromo mundial.
O que pode levar a esse reajuste?
A África do Sul, que é o maior exportador de ferro cromo do mundo, está com um problema energético muito grave. A companhia energética de lá, a Eskom (que é a Eletrobrás deles), está quebrada. Teve um downgrade da Moody’s pra junk e não consegue pagar a dívida, que é de mais de US$ 10 bi. E o único jeito é aumentar o preço da energia. Eles já falaram que vão aumentar em 13% em 2020 e em mais 12% em 2021. Agora, ela falou que precisa de mais 40% de aumento. O problema é que a energia é um dos principais custos da produção de ferro cromo, e com o nível de preço atual não está valendo a pena para as empresas produzirem.
A maior empresa do mundo de ferro cromo, chamada Glencore, cortou a produção no trimestre em 30% e no ano em 10%. Então, vai ter uma queda de oferta brutal. É um problema de oferta, não de demanda. A demanda está boa. Principalmente se China e EUA se entenderem e acelerar novamente o mercado, pode ocorrer um problema muito sério de oferta e os preços subirem.
E é a Glencore que faz preço. Em dezembro ela vai ter uma primeira negociação com os europeus e já achamos que terá um reajuste. Em março deve ter um novo reajuste, porque vai entrar numa nova negociação de preços e o problema energético será ainda maior. Historicamente, os preços de ferro cromo já chegaram a subir 30% num único trimestre e achamos que nos próximos 3 a 8 meses pode acontecer algo semelhante.
Mas independente disso, o valor intrínseco dela está descontado. Este ano, o P/L está em menos de 6 vezes e achamos que o justo seria 10 vezes. O EV/EBITDA está em 3,5 e achamos que teria que estar em 6 vezes. É uma empresa que gera R$ 400 milhões de caixa e investe mais ou menos R$ 100 milhões ao ano. Em dez anos, ela deu 4 vezes a rentabilidade da Vale e é uma empresa que segue a risca os preceitos de ESG — não tem problema com barragem e nenhum risco ambiental.
A Schulz é a menor das suas small caps. Por que ela está na carteira?
É uma empresa de Joinville (SC) que produz peças para a indústria automobilística pesada, como câmbio, freio e caixa de direção, além de compressores de ar de todo tipo. Nas linhas de compressores que ela atua, ela tem um share de 75% no Brasil. E a questão é que o mercado de compressores, que hoje representa só 25% da receita dela, está muito ruim, por causa do PIB, da crise. Ela tem condições de dobrar ou triplicar a produção de compressores sem fazer nenhum investimento, porque ela está operando em um turno só. Os compressores não estão contribuindo muito para os resultados da empresa hoje, mas tem um potencial enorme de crescimento sem fazer novos investimentos.
A demanda por compressores vai vir, até por reposição. Por exemplo, os compressores usam motores da WEG, então o maior custo dos compressores é energia elétrica. Quando você troca um compressor antigo por um novo, as vezes você paga em um ano ou dois anos. Então, tira o motor antigo e coloca um novo que você recupera muito rapidamente. É o que as empresas estão fazendo. É uma questão de novas tecnologias, mais eficientes e também de crescimento. Essa é uma tese de retomada da economia brasileira e de uma empresa que vai conseguir surfar bem isso.
JSL multiplicou por 3 nos últimos 12 meses. Ainda é hora de comprar?
Começamos a comprar há um ano, quando estava em R$ 7,5 o preço da ação. Mas estamos comprando consistentemente desde então. A história está só começando. De 2010 para cá — mesmo com o PIB negativo, juros na estratosfera e sem investimentos em infraestrutura — o EBITDA da JSL cresceu 22% ao ano e a receita mais ou menos 10%. Mesmo com a crise e os juros altos. Então, imagina com os juros nesse nível, e com o que vai vir de investimento em infra e no agronegócio.
É uma tese de logística, crescimento do PIB e queda dos juros. A JSL tem quatro negócios: o de logística, que faz toda a gestão de logística do cliente; a Movida, de aluguel de carros; a Original, que é uma rede de concessionárias de veículos e caminhões; e a Vamos, que atua no mercado de locação de veículos pesados, como tratores e caminhões, e que para nós é o melhor negócio dela. Esse mercado em que a Vamos opera — se você fizer um paralelo com os Estados Unidos — é 20 vezes menor do que deveria ser. É uma tendência mundial terceirizar as frotas e a Vamos tem um potencial gigantesco, já que tem 70% do market share no Brasil.
Com a queda dos juros, o custo financeiro dela também tem despencado. Ela é a empresa que mais compra caminhões no Brasil (tem uma frota de 80 mil mais ou menos), e tipicamente ela financia essas compras com debêntures de 6 anos a CDI + 0,7%. Com o juros caindo, cai drasticamente o custo de carregar essa frota. Outro ponto é que eles tentaram fazer o IPO da Vamos em abril e acreditamos que eles vão tentar de novo em breve. Isso também pode trazer valor para a JSL e impulsionar a ação.
Outra fabricante em que vocês investem é a Metal Leve, cuja ação tem andado de lado nos últimos anos. Quais as perspectivas para a companhia?
A Metal Leve faz parte do grupo alemão Mahle, que é uma fundação fechada que vive de dividendos. Então ela paga 100% do lucro em dividendos. É uma empresa de alta tecnologia e ela usa no Brasil toda a tecnologia que os alemães desenvolvem, além de desenvolver algumas próprias. Em etanol, tudo é o Brasil que desenvolve e passa para o grupo. Então, ela captura todas as sinergias e o conhecimento desse grupo alemão.
Mas falando de crescimento, temos aqui no Brasil o programa Rota 2030, onde o Governo Federal dá incentivos fiscais para as empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento. Mas para isso elas precisam cumprir metas de redução de emissões e de consumo. E como se faz isso? Com motor. E quem fornece componentes para motor? A Metal Leve. Então, terão muitas trocas de motores nas montadoras. E quando elas trocam, e colocam um produto mais sofisticado, o preço é outro. Agora, elas vão entrar com motores turbo, 3 cilindros, radiador de óleo. E isso vai gerar um movimento de demanda por produtos mais sofisticados, que vai ser suprido pela Metal Leve.
Além disso, as montadoras estão substituindo a produção de motores que eram importados e trazendo a produção para o Brasil. A Toyota, por exemplo, importava 100% dos motores e começou a produzir aqui. A Volkswagen está aumentando a produção de motores no Brasil, inclusive para exportar.
A Metal Leve tem um yield de 9%, um dos melhores do mercado, exporta mais de 40% da receita, e com esse câmbio subindo sempre é um hedge. É uma empresa muito sólida, alemã, líder em tecnologia. Outra coisa, é que ela fornece componentes para veículos pesados também, que é o segmento que mais está crescendo hoje. Essa linha é mais lucrativa, já que o trabalho é o mesmo, mas o preço é muito maior.