Em mais de 30 anos de mercado, Jean Van de Walle trabalhou no Citibank, na AllianceBernstein e na Abu Dhabi Investment Authority (ADIA), sempre administrando portfólios de países emergentes.

11312 5260b518 9bd7 21ea fe6d dfd69f509688Há mais de três anos, Jean passou a dividir seu tempo entre as aulas que leciona na NYU Stern e a gestão de seu próprio dinheiro na Sycamore Capital, um fundo global que investe (também) em ‘emerging markets’ (EM). 

Mas o tempo em que EM evocava América Latina e Brasil já passou.

“Será que vale a pena o investidor global passar muito tempo olhando uma região que ficou tão pequena no contexto global? E uma região que, para além das commodities, não tem crescimento e tem pouca inovação?” Jean disse ao Brazil Journal. 

Hoje, a maior exposição da Sycamore está em empresas de tecnologia da China e da Índia, onde Jean enxerga as maiores oportunidades de geração de valor no longo prazo. 

Mas a América Latina continua a ter sua serventia: afinal, onde mais um investidor global pode se expor a commodities agrícolas e minerais para se defender de um cenário inflacionário global?

Para surfar o próximo superciclo de commodities, Jean está comprando empresas como Vale, Grupo México, Southern Copper e Buenaventura além de ETFs da Argentina e do Chile.

Ele falou com o Brazil Journal de sua casa em Nova York. 

Quanto mudou no trabalho do investidor em ‘emerging markets’ da época em que você estava na Alliance para hoje em dia?

Tem duas coisas. Primeiro, os mercados sempre mudam, e uma das funções principais do investidor é entender o que está mudando, porque várias formas de investimentos, vários processos, funcionam em tempos determinados. 

Quando eu comecei a investir em mercados emergentes, nos anos 1990 e até antes disso, porque eu trabalhei no Citi no Brasil nos anos 1980 era outro mercado. Era um mercado de trading de curto prazo, e o estilo de investimento que eu tinha naquela época era bem Warren Buffett, de buscar o valor intrínseco das empresas.


Esse estilo funcionou muito bem durante um certo período, porque o Brasil era um mercado muito barato. Os investidores olhavam muito o dividend yield, e as grandes estrelas do mercado eram Eletrobras, Petrobras, empresas assim. Tinha bancos que negociavam a 0,8x o valor patrimonial… 

Usando aquela estratégia que eu tinha na época, consegui pegar bem a onda: o Brasil começou a se valorizar. Eu carregava posições, e no Brasil os investidores não faziam isso. Eu era uma espécie de ‘contrarian investor’ naquele mercado.

Você acha que a estratégia de investir olhando o valor intrínseco já não funciona tão bem no Brasil hoje?

O mercado brasileiro mudou totalmente. Eu diria que hoje ele é um dos mercados mais sofisticados e mais ‘sobre-estudados’. A quantidade de recursos humanos estudando o mercado brasileiro em proporção ao tamanho do mercado deve ser uma das maiores do mundo. Tem uma geração inteira das melhores cabeças de engenharia, matemática.. que foi toda para o mercado financeiro. E todos fazem mais ou menos a mesma coisa: olham as 20 empresas que são investíveis que tem no mercado. Isso é uma quantidade de ‘brain power’ muito grande relativamente à quantidade de ativos.


Por isso, eu acho que descobrir oportunidades de valor intrínseco no Brasil de hoje dado que tem 50, 100 gestoras com gente muito capacitada fazendo isso é uma tarefa extremamente difícil. Bem diferente de como era há 30 anos. Hoje tem de tudo no mercado: tem traders, mas tem uma quantidade grande de gestoras que fazem valor intrínseco. Então, para eu fazer isso de Nova York eu estaria numa desvantagem muito grande.


O mercado brasileiro é extremamente eficiente. E isso é uma verdade num grau maior ou menor no mundo todo. Hoje em dia, os mercados que ainda têm oportunidades de valor importante são China e Índia. Se eu tivesse que fazer isso hoje, eu concentraria os esforços nestes dois mercados, porque eles são muito grandes, estão crescendo muito, têm muitas ações, mas o grau de sofisticação ainda não é tão alto. 

Que tipo de diferencial um investidor deve buscar num mercado super arbitrado?

Eu vejo aqueles 100 fundos, todos muito capazes, mas sendo muito sincero eu não sei como eles se diferenciam… Acho que eles se diferenciam usando modelos de trading diferentes, expandindo para outros ativos, essa foi uma maneira de se diferenciar 10 anos atrás, os fundos brasileiros começaram a investir também nos EUA e em outros países emergentes.

Mas o que se faz hoje num mercado super eficiente? Você tem que se diferenciar tomando uma visão mais de longo prazo. Em qualquer lugar, e no Brasil em particular, o mercado continua sendo muito curto-prazista. Então se você tiver uma visão de cinco anos ou mais, você tem uma vantagem e você consegue extrair valor. Mas se o seu negócio é criar valor trimestre a trimestre, eu acho muito difícil.

A Sycamore investe só em ações ou moeda e juros também?

Eu faço só ações e trabalho muito com ETFs. E trabalho com as grandes ações que me permitem implementar estratégias de alocação. Por exemplo, se gosto de commodities, compro Vale e Southern Copper, porque elas representam muito bem a opção de alocar em commodities. 

Como está sua alocação hoje? Você disse que tem bastante China e Índia, mas tem um pouco de América Latina também?

Até pouco tempo atrás eu estava praticamente zero na América Latina. Eu comecei a mudar minha estratégia há seis meses, indo mais para uma estratégia de antecipação da volta da inflação. 

A premissa é que, junto com essa volta da inflação, as commodities também vão se valorizar. Porque commodities dependem muito de ambientes inflacionários para prosperar. E também, em termos de investimentos, o que tende a funcionar nesses ciclos inflacionários são as ações não de crescimento, mas de valor. 

Isso é uma mudança importante no mercado. Eu acredito que esse processo começou, mas ainda não se confirmou. Estou pouco a pouco aumentando posições nessa estratégia de volta da inflação. 

Quando você diz que o novo ciclo de commodities “ainda não se confirmou”, você quer dizer que a alta recente pode ser um alarme falso?

Exatamente. Se você olhar as tendências dos últimos seis meses desde o fundo de ciclo em abril (e especialmente desde o anúncio das vacinas), tudo indica que o mercado está começando a antecipar uma recuperação forte e que pode ser inflacionária. Você vê isso nas taxas de renda fixa e em outros ativos. 

Isso acontece depois de dez anos de preços de commodities caindo, de um dólar forte, e de ações de ‘value’ muito fracas. O ‘value’ passou por uma das fases mais fracas de sua história nos últimos dez anos…  Estamos bem posicionados para uma mudança de ciclo. Ainda estou esperando esse ciclo se confirmar, mas enquanto isso estou aumentando bastante as posições. 

Mas isso não significa que abandonei as coisas de tecnologia e crescimento. Por enquanto, quero manter as duas. Mas estou aumentando bastante as ações que se beneficiam da volta da inflação. E em termos de América Latina, tenho feito isso com as empresas de commodities. 

O que você tem comprado exatamente?

Empresas como Vale, o Grupo México, Southern Copper, Buenaventura… as grandes empresas de commodities da América Latina, além de ETFs de países como Argentina e Chile, que historicamente se beneficiam muito desse ciclo de inflação.

Mas qual a sua leitura sobre se estamos ou não à beira de um novo superciclo de commodities? Quais os argumentos a favor e contra?

Em boa parte, o argumento é de que o ciclo do dólar chegou ao fim. O dólar teve um ciclo muito forte começando em 2012, e as moedas internacionais e de mercados emergentes caíram muito nesse período. Os ciclos de dólar tendem a durar entre sete a nove anos. Em termos de timing, parece que é hora do dólar enfraquecer. 

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão entrando numa fase de déficits de conta corrente e fiscais extremamente altos. Essa combinação de déficits muito altos tende a ser muito negativa para qualquer moeda. 

Acho que isso pode ser o trigger para a queda do dólar. Nos últimos seis meses, ele já caiu bastante. Então, para confirmar o ciclo, a coisa mais importante é olhar o dólar. Se de repente o dólar mudar de direção, poderia ser uma indicação de que o ciclo não está se confirmando. E isso pode depender de mudanças de política econômica nos EUA, de um sucesso inesperado das políticas de Biden para criar crescimento econômico sustentável. 

Eu tenho uma convicção bem alta de que estamos entrando num ciclo muito positivo de commodities nos mercados emergentes. E na verdade já estou me posicionando bastante para isso. Agora, se isso não se confirmar eu teria que reduzir um pouco minhas posições atuais. 

Só esse movimento inicial do mercado em direção a essa tese de um superciclo fez a Vale ir de R$ 60 para R$ 100. Ainda assim, parece que em termos de múltiplos, quando comparada com peers ela ainda tem bastante desconto. O que você acha dos fundamentos e dos múltiplos da Vale?

De forma geral, as empresas de commodities você deve comprar quando os múltiplos estão altos e vender quando os múltiplos estão baixos. Porque o processo de alavancagem operacional dessas empresas é muito grande com a subida dos preços. Quando o preço do minério de ferro estava muito baixo, o múltiplo da Vale podia parecer bastante alto, porque tinha um grau de lucratividade baixo. Mas com o aumento do preço do minério, os retornos sempre são muito mais altos que o esperado. 

Quando você olha commodities, você tem que determinar qual o valor de lucros do ciclo inteiro e colocar um múltiplo em cima disso. Você não pode colocar múltiplos em cima do ciclo no começo e nem do ciclo no fim. Você tem que ter uma boa noção de como o ciclo vai se desenvolver e investir em função disso. Estamos muito cedo no ciclo, então se preocupar com isso agora não é a visão correta. 

Como você está vendo a dinâmica do minério de ferro hoje em comparação com outras commodities?

O minério de ferro depende muito do impulso fiscal na China. Esse impulso foi muito alto no ano passado e é muito concentrado em investimentos físicos, construção, infraestrutura e imóveis… isso, obviamente, consome muito minério de ferro. A perspectiva é que a China vai reduzir bastante o impulso fiscal este ano. Então o minério de ferro está menos favorecido do que outras commodities, como o cobre, que é muito mais cíclico em termos da economia global e está se beneficiando muito no processo intensivo de eletrificação que estamos vendo acontecer com o Biden e a grande atenção que está se dando a redução da emissão de CO2. 

Você tem alguma visão sobre papel e celulose?

Como todas as outras commodities, os preços devem aumentar, e eu vejo essas empresas como um investimento em ativos reais, porque todas são grandes donas de terras. Num ambiente de volta da inflação, a terra tende a ser um bom lugar para alocar capital. Também gosto dessas empresas de papel e madeira nos EUA, particularmente a Weyerhaeuser, que é a maior proprietária de terras dos EUA. Essas empresas tendem a ter um desempenho muito bom em ciclos de volta da inflação.

Também gosto da Suzano, que tem milhões de hectares de terras além de ser a empresa mais competitiva do mundo em produção de papel.

Essas empresas são uma aposta dupla na valorização da terra e no preço da celulose, ou você está vendo a terra como um hedge para a volatilidade da celulose?

Eu estou vendo a terra como um hedge. É um ativo forte, verdadeiro, num mundo onde a impressão de dinheiro tende a reduzir o valor de todas as moedas. Temos que lembrar que a inflação é criada pela impressão do dinheiro. Se você acredita que toda essa impressão de dinheiro está levando a um ciclo inflacionário e você quer ter ativos reais fortes, que protejam seu dinheiro, e ainda deem algum rendimento, essas são boas opções. 

Os preços de soja, milho, algodão, estão todos subindo agora, e isso vai se refletir no preço da terra também. Então, eu também gosto de terra no Brasil. Investir em terra agrícola no Brasil é um excelente ativo nesse momento.

O que precisa para os investidores globais começarem a olhar mais para o Brasil?

Obviamente, um novo ciclo de commodities vai chamar a atenção para o setor. A Vale hoje está no radar de muito mais investidores do que seis meses atrás. Mas para o investidor começar a entrar em outros segmentos do mercado, eu não sei… 

Outro dia, eu vi um gráfico projetando o crescimento da classe média no mundo, e 90% acontece na Ásia. E disso, 60% na China e na Índia. Então, será que vale a pena o investidor global passar muito tempo olhando uma região que ficou tão pequena no contexto global? E uma região que, para além das commodities, não tem crescimento e tem pouca inovação?

O Brasil é grande, então ainda pode criar algum interesse, mas imagina os países menores. Antes, Chile, Peru e Argentina ainda tinham alguma importância. Hoje em dia são tão pequenos…

Eu sei que houve muitos IPOs no Brasil ano passado e vai ter muitos este ano, mas não sei se tem muitas empresas de inovação.  

Quando você investe na China você tem posições grandes em nomes específicos ou investe mais por ETFs?

Tenho algumas empresas específicas, como as grandes de tecnologia, mas prefiro investir nos ETFs de setores na China. Tem vários ETFs de tecnologia que são muito grandes, muito líquidos. Tem dois que eu invisto que são o CQQQ e o KWEB. Além disso, tem vários outros ETFs de setores na China: você pode comprar, por exemplo, um ETF de healthcare. 

Você percebe a diferença da quantidade de ações? Você tenta montar um ETF de healthcare no Brasil, você vai ter três empresas.