Caixa de palavras: por que você deve ler e o que ler (Editora Nova Fronteira, 2023) é um livro para quem gosta de livros e não aprecia as conversas herméticas sobre o assunto.

Ali não há desconstrução da narrativa, nem um debate sobre a índole dos movimentos literários ou sobre o novo historicismo. Nenhuma tentativa de colocar a literatura no interior da guerra cultural.

O autor, José Roberto de Castro Neves, não é um crítico literário, e sim um amador na melhor acepção da palavra: aquele que ama e se dedica a uma arte por gosto.  E em que pese o autor ganhar a vida como advogado, e um dos melhores do ramo, o leitor não esbarrará em nenhuma hermenêutica perdida entre os arbustos.

José Roberto escreve sobre os livros que percorreu ao longo da vida como quem folheia um álbum de fotografias, transbordando recordações preciosas e histórias para contar.

Esse é seu “método”, uma fórmula simples para instigar leitores: uma colagem magnífica, como a linda figura da capa do livro, que explica muito sobre o que se passa em seu interior.

Há ilustrações a cada três ou quatro páginas – uma delícia de respiro visual – e um agradável lembrete sobre como é antigo o diálogo entre texto e imagem, graças ao qual a Caixa de Palavras ficou leve e prazerosa, mais ou menos como vagar pelos meandros de uma boa livraria.

O livro traz sumários de 233 obras (livros, poemas, peças), listadas em sete páginas logo no início. A indicação é clara: há spoilers por todo lado, e de propósito. O intuito é justamente o de ilustrar a tese pela qual a experiência da literatura é imensamente mais rica do que cabe em um parágrafo resumido.

Muitos livros começam, inclusive, com o spoiler. A designação erudita é “prólogo”. Romeu e Julieta é assim: duas famílias iguais em dignidade, na linda Verona, tragadas por rancores antigos, dois amantes estreantes, uma tragédia. O leitor não perde nada se já tem essa informação.

A orelha – hoje ressignificada como teaser, que é o primo do spoiler – é apenas uma parte do corpo, mas que também pode ser uma turbina, uma fórmula para a velocidade do texto, assunto importante para leitores e que figura entre as seis propostas para a literatura no próximo milênio nas Norton Lectures de Italo Calvino em Harvard em 1984. Na vida prática, diz ele, “o tempo é uma riqueza de que somos avaros; na literatura, o tempo é uma riqueza de que se pode dispor com prodigalidade e indiferença … a economia de tempo é uma coisa boa, porque quanto mais tempo economizamos, mais tempo poderemos perder.”

Na literatura, temos um problema que não é novo, nem foi inventado pela internet: o excesso de escolhas.

“Há mais bons livros para ler do que tempo em nossas vidas para poder desfrutá-los. Assim, ler um texto ruim é tempo perdido,” escreve José Roberto no capítulo final. E cita Thomas Mann: “a leitura de livros bons deveria ser proibida, porque, afinal, existem os livros ótimos.”

Por isso mesmo é preciosa a orientação sobre como o leitor pode planejar melhor a sua jornada. Resumos, classificações, listas e travel guides podem ser auxílios inestimáveis e indispensáveis, quando a amostra é grande, os critérios são bons e os guias são feitos com carinho e atenção.

José Roberto coleciona e apresenta sobretudo, mas não exclusivamente, ficção, muitos clássicos (provavelmente todos os super clássicos), alguns best sellers, brasileiros e estrangeiros, muitas referências da antiguidade, incluindo o Gilgamesh e a Bíblia, e um bocado de Shakespeare.

Os livro é organizado ao redor de cinco tópicos motivacionais — nenhum segredo quanto a isso, afinal, trata-se de um volume destinado a incentivar a leitura, especialmente em leitores em começo de carreira. É um esforço difícil, já que cada leitor é de um jeito, e cada um terá sua própria fórmula de organizar as estantes da literatura universal.

É muito pessoal o modo como José Roberto distribuiu as obras citadas, e resumidas, nesses cinco temas e respectivos subtemas. Não existem dois leitores que fariam exatamente as mesmas escolhas e classificações, não há um jeito mais certo de fazer.

Mas é uma delícia ver como outros aficionados montam o seu cardápio. Nada pode ser mais estimulante para o leitor, especialmente os que estão começando.

Os cinco temas de José Roberto são (i) o autoconhecimento, sua experiência pessoal de leitura, a voz interior, o “eu” profundo e as fórmulas da introspecção; (ii) a comunicação, a mensagem, narrativa e linguagem, fórmulas de encantar; (iii) a interpretação do texto, o ponto de vista, as ambiguidades e traduções, as fórmulas de transcender o texto; (iv) o “outro”, a humanidade, as fórmulas para a vida “emprestada”, isto é, conforme pode ser vista de outro ângulo, as biografias, a opressão, os frutos proibidos; e (v) guardar e transmitir (bons) valores, memória e identidade, peculiaridades físicas e espirituais, o diabo e o lado sombrio (a imoralidade).

No capítulo conclusivo, há conselhos imperdíveis de leitor experiente, que vale organizar como uma outra lista. São conselhos mais “chão de fábrica”, como conversas de corredor entre leitores falando sem filtros sobre este ofício:

1. Pule passagens, se a estrada estiver esburacada, a culpa não é do leitor, leia vários ao mesmo tempo, um descansa o outro, o livro serve para lhe dar prazer, ilustração ou qualquer outra coisa útil e não é para ser penoso e sofrido;

2. Compre muitos livros, principalmente em livrarias, e se esmere para organizá-los em seu espaço, pois será a formação de sua memória afetiva, sua cartografia sentimental e preparação para a velhice, quando você vai esquecer das coisas, e vai precisar de um hard drive maior;

3. Anote seus livros sem piedade, registre seus passos, pois são seus livros, sua história, seus aplausos e ressalvas. A marcação do espaço é importante dentro de cada biblioteca;

4. Os livros envelhecem como você, mas estranhamente, há os que rejuvenescem, os que as pessoas chamam de “clássicos”, livros que mudam para melhor com o tempo, e se alteram conforme a sua idade, uma espécie de mágica, há lugares para onde é melhor não retornar, mas há outros, os seus clássicos, para os quais o lugar está sempre diferente;

5. Não se intimide como que falta para ler, ou com a sua ignorância no assunto, pois significa que ainda tem muita emoção pela frente, procure planejar o seu caminho para não perder seu tempo com porcaria;

6. Ainda no assunto da porcaria: o problema do excesso (de informação) é mais dramático nas outras mídias que se diz que competem com o livro, especialmente na internet. Você sabe disso, não há novidade, só não esqueça que esse mesmo problema existe na literatura faz muitos séculos, não é o fim do mundo;

7.  Cuidado com os valores errados. O livro, genericamente, não está isento das distorções que ocorrem nas outras mídias, o livro também pode trazer falsidades, propagar a violência e a intolerância, sempre será difícil a discussão sobre a liberdade para se propagar a abolição da liberdade. Fique atento. E por último…

8. O livro não é necessariamente um remédio contra o mal do século, a insônia, mas é imbatível contra outro mal do século, talvez o pior de todos: a solidão.

 

Gustavo Franco é sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil.