Num recuo estratégico em meio ao vento de proa no setor de saúde, o Mater Dei decidiu vender sua participação de 70% no Hospital Porto Dias, de Belém, que a rede hospitalar havia comprado há dois anos e meio da família fundadora.
A venda está sendo feita para a própria família Porto Dias, que vai pagar R$ 410 milhões em dinheiro e devolver à tesouraria da empresa os 7% do capital do Mater Dei que ela recebera como parte da primeira transação.
Naquela operação, fechada em novembro de 2021, o Mater Dei pagou R$ 800 milhões em cash, além da participação acionária.
De lá para cá, o Mater Dei recebeu R$ 200 milhões em dividendos e aproveitamentos tributários deste hospital. Em outras palavras: com a venda de hoje, o grupo aceitou realizar um prejuízo de R$ 190 milhões — uma decisão que nunca é fácil.
A venda, no entanto, deve trazer um benefício imediato para o capital de giro do Mater Dei, já que o Porto Dias estava sofrendo com atrasos constantes de suas fontes pagadoras, penalizando toda a companhia.
“Todo o setor está sofrendo com a pressão sobre a cadeia de saúde, mas em Belém a situação é ainda mais complicada. Tem algumas operadoras com muita dificuldade financeira e outras que resolveram verticalizar e agora estão sofrendo com isso,” o CEO José Henrique Salvador disse ao Brazil Journal. “Começamos a ver o nosso ‘contas a receber’ desse hospital sendo muito alongado e vimos um risco alto do não recebimento desses valores.”
Os principais clientes do Hospital Porto Dias são a Unimed Belém e o Instituto de Previdência dos Servidores do Pará, além de diversas outras operadoras de autogestão.
Salvador disse que o consumo de capital de giro da companhia no primeiro trimestre já teria sido 43% menor se o Porto Dias não estivesse mais no portfólio, com uma redução de 19 dias no ‘contas a receber’.
“Tivemos R$ 94 milhões de capital de giro no primeiro tri, dos quais R$ 40 milhões vieram desse hospital. No segundo tri, ele também deve ter uma representatividade parecida no capital de giro,” disse ele.
O benefício da venda para a companhia deve aparecer no terceiro trimestre, já que a expectativa é de uma conclusão rápida da operação.
Outro ganho com a transação será a redução da alavancagem da companhia, que fechou o primeiro tri em 1,9x EBITDA e agora deve cair para 1,4x com a entrada dos R$ 410 milhões.
Como o Mater Dei pretende cancelar as ações que vão entrar na tesouraria (os 7% da família Porto Dias), os acionistas da companhia também vão se beneficiar da operação, já que sua participação na empresa vai aumentar.
Um gestor comprado no papel disse que vê aspectos positivos na transação, apesar do prejuízo de R$ 200 mi na venda.
“Obviamente, o melhor cenário era o hospital estar ‘porrando’ e eles não terem que vender,” disse ele. “Mas dada a situação do ativo, com a deterioração das principais fontes pagadoras, isto mostra disciplina e mostra que eles têm coragem de reconhecer erros. Eu consigo ver que eles aprenderam algo com esse episódio.”
Esse gestor disse que a família Salvador, que controla o negócio com 73% do capital, agora pode usar os recursos da venda “para fazer um melhor uso do capital.”
Com a venda, o Mater Dei passa a ter nove hospitais, incluindo o Mater Dei Nova Lima, cuja construção deve terminar nos próximos meses. O grupo também está na fase de desenvolvimento de um novo hospital em São Paulo, em parceria com a Bradesco Seguros.
“Foi uma correção de rota pelo risco que tínhamos,” disse Salvador. “Um movimento estratégico para focarmos nos ativos que estão indo bem.”
Desde o IPO, o Mater Dei fez quatro M&As além do Porto Dias: dois em Uberlândia, um em Goiânia e um em Feira de Santana.
Salvador disse que esses ativos “estão na fase de integração, alguns com melhor performance do que outros por uma questão de praça, mas continuamos muito positivos com todos eles.”
O Mater Dei vale perto de R$ 2 bi na Bolsa e negocia a 10,3x o lucro estimado para este ano.