Marcelo Claure — o ex-COO do Softbank que criou o fundo do conglomerado japonês para a América Latina — acaba de lançar a Bicycle Capital, sua nova gestora que já vinha sendo fruto de especulações há meses no mercado.
O outro managing partner da Bicycle é Shu Nyatta, que trabalhou oito anos no Softbank, depois de passagens pelo JP Morgan e McKinsey em Nova York.
A gestora acaba de fazer o first closing de seu primeiro fundo, levantando cerca de US$ 440 milhões numa oferta ancorada pelo próprio Claure — por meio de seu family office — e pelo Mubadala, o fundo soberano de Abu Dhabi, que também se tornou sócio da gestora.
Trata-se do maior fundo de uma gestora nova lançado desde a correção do mercado de tech nos últimos anos, e num momento em que a maioria dos players ainda está se retraindo.
A Bicycle não revela quanto cada investidor colocou, e diz que também levantou recursos com outros investidores e empreendedores de tech.
O objetivo do fundo é chegar a US$ 500 milhões nos próximos meses — um montante pequeno se comparado ao tamanho que o Softbank já teve na região. Desde 2018, o conglomerado japonês investiu perto de US$ 5 bilhões em startups na América Latina, ajudando a criar unicórnios como o Nubank, Inter, QuintoAndar, Kavak, Gympass e VTEX.
Dada a escala do novo fundo e o atual momento do mercado, a estratégia de investimento da Bicycle será diferente da adotada pelo Softbank, cuja influência sobre o ecossistema de VCs na região foi tão grande que acabou o transformando em sinônimo da classe de ativos.
“O Softbank tinha um play de portfólio,” Claure disse ao Brazil Journal. “Isso era altamente necessário para criarmos um ecossistema que praticamente não existia. Acho que naquela época era o caminho certo a se seguir, até porque estávamos vivendo um momento de free money.”
Agora que o mundo mudou, “não dá para termos esse mesmo approach,” disse Claure. A Bicycle terá uma carteira mais concentrada.
“Nossa estratégia vai ser selecionar alguns poucos empreendedores que acreditamos ser capazes de construir empresas duradouras e disruptivas.”
Em outras palavras: enquanto o Softbank operou quase como um ETF de tech, surfando o beta do mercado, a Bicycle buscará gerar alfa fazendo o ‘stock picking’.
O foco da Bicycle será a América Latina, especialmente Brasil, México e Colômbia, e a gestora será agnóstica em termos de setores. Ainda assim, ela poderá fazer alguns investimentos em startups estrangeiras que estejam planejando entrar na região.
“O importante é ter um ângulo de América Latina,” disse Claure. “Quero dedicar boa parte dos meus recursos, da minha experiência e do meu tempo para ajudar a região.”
Para o ex-No. 2 do Softbank, a carteira mais concentrada da Bicycle permitirá que os sócios gastem mais tempo com cada empreendedor, contribuindo com o dia-a-dia da operação.
“Nos últimos três anos, o jogo era capital. Hoje, isso não se aplica mais. Os empreendedores — especialmente os que não precisam levantar recursos — estão demandando cada vez mais dos investidores, e acho que essa é a nossa maior vantagem competitiva. Somos operadores, fomos pioneiros nessa indústria e conhecemos muito bem a América Latina.”
O nome da gestora ajuda a ter uma ideia sobre o perfil de empresas que ela vai buscar. Segundo Shu, a Bicycle está atrás de tecnologias que sejam simples, atemporais e democráticas. “A bicicleta representa essas três coisas… Isso não é sobre cutting-edge innovation. É sobre trazer ferramentas realmente poderosas para o meio e a base da pirâmide.”
A Bicycle está nascendo com uma equipe pequena, de menos de 10 pessoas, e escritórios em São Paulo, Miami, Nova York e Cidade do México.
O lançamento vem num momento em que o mercado de venture capital vive o rescaldo de uma reprecificação na América Latina e no mundo — em termos de capital alocado e valuation.
Em 2020, foram investidos US$ 3 bilhões no mercado de VC latinoamericano. No ano seguinte, esse número saltou para US$ 16 bilhões — mas pouco depois, a bolha estourou. Neste ano, os investimentos em venture capital já estão na ordem de US$ 1 bi por trimestre na região.
Ao mesmo tempo, muitas startups estão tendo que captar recursos fazendo down rounds relevantes.
Para muita gente do mercado, o Softbank foi o grande responsável pela euforia que tomou conta do ecossistema de VC brasileiro — dado que o gigante japonês tinha uma posição dominante no mercado e fez o preço de boa parte das rodadas.
Para Shu, isso é só uma narrativa.
“Quando entramos, em 2018, quase não tinha capital na região. Em 2019 e 2020, o capital investido subiu para uns US$ 3 bi por ano. Foi uma alta grande, mas não foi gigantesca. Foi só em 2021 que o mercado deu um salto brutal – e isso não foi o Softbank que fez. Foram todos os outros fundos colocando dinheiro na região, e que entraram depois da gente,” disse ele.
Para Shu, os valuations superlativos foram consequência dessa entrada massiva de novos recursos na região — e não do Softbank.
“Houve três ondas nesse mercado. A primeira foram os investidores já existentes investindo a valuations baratos e colocando termos difíceis para os fundadores. A segunda foi quando a gente entrou e começamos a pagar preços justos pelas empresas. E a terceira foi em 2021, quando houve uma inundação de capital, que aí sim levou os preços para a lua.”
Segundo ele, em muitos casos o Softbank apenas seguia as rodadas, porque já era investidor das empresas.
“É uma descaracterização enorme falar que a gente que fez o mercado latinoamericano ficar irracional. Estabelecemos uma boa base, mas então o resto do mundo veio e fez o mercado ficar assim.”