Em seu esforço para remodelar o FIES, técnicos do Ministério da Educação estão descobrindo que a taxa de inadimplência do programa é muito superior ao inicialmente estimado pelas empresas de educação, disseram pessoas que tiveram acesso aos números.
Uma das políticas de inclusão mais importantes dos últimos anos, o FIES garantiu o acesso de mais de 2 milhões de brasileiros ao ensino universitário, mas revelou-se um programa mal formulado e de supervisão deficiente. As empresas do setor viram seus valores de mercado explodir graças ao programa, criado na era Lula-Dilma, e hoje lutam para se adaptar a um mundo pós-fartura.
Tentando abrir a caixa-preta do FIES, o Ministério da Educação, a Fazenda e o Tesouro pediram dados à Caixa e ao Banco do Brasil, os agentes financeiros responsáveis pelos desembolsos do programa.
A primeira surpresa: os dados são de má qualidade e não permitem afirmar se a inadimplência é um problema que já se estabilizou ou se vai piorar ainda mais. Por exemplo: os dados não agrupam os alunos por safra de financiamento, impedindo observar a trajetória do atraso de cada safra.
Dos cerca de 200 mil alunos em fase de amortização do FIES, ou seja, pagando o saldo devedor, cerca de 50% estão com mensalidades atrasadas, a maior parte acima de 180 dias. Quando explicavam o FIES aos investidores, as empresas de educação listadas na Bovespa estimavam que a inadimplência seria da ordem de 10%. Acreditando-se conservador, o mercado modelava algo entre 20% e 25%.
“Se o crédito bancário bate 20% de inadimplência em algumas linhas, como é que o Governo emprestando poderia ser melhor?” diz um investidor.
Tipicamente, um aluno beneficiado pelo FIES tem um ano e meio de carência após a graduação e em seguida começa a pagar o empréstimo em um prazo de até três vezes a duração de seu curso — mais 12 meses.
Em janeiro deste ano, a CGU disse que dos 315 mil contratos do programa em fase de amortização, 146 mil estavam inadimplentes. O então ministro Aloizio Mercadante desqualificou os números dizendo que, destes 146 mil, apenas 5 mil eram do ‘novo Fies’, a segunda versão do programa, que passou a valer em 2010. O curioso é que o ‘novo Fies’ deixou de exigir fiador e expandiu a base de alunos exponencialmente, o que, como regra, deveria implicar em inadimplência maior. Os estudos sendo feitos neste momento são a primeira vez que a questão está sendo abordada de forma técnica e pragmática.
A inadimplência do FIES é um problema incômodo para as empresas porque não está claro quem bancará o seu custo. As empresas dizem que o pepino não é delas, e sim do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo, o FGEDUC, que chega a garantir até 90% da inadimplência. No entanto, o estatuto do fundo diz que ele responde pela inadimplência no limite de seu patrimônio, hoje em R$4,3 bilhões. A zona cinzenta na legislação não deixa claro o que acontece quando o dinheiro acabar.
“O FIES foi criado sem muita preocupação de como iria funcionar e sem nenhuma restrição orçamentária,” diz um especialista no assunto. “O que determinava o tamanho do FIES era o número de alunos interessados em tomar o crédito. Virou um monstro. Para as políticas públicas serem eficazes, elas precisam encarar a realidade da restrição de orçamento.”
Além da questão da inadimplência, o Tesouro está tentando quantificar o sobrepreço que o Estado está pagando por ser um comprador pouco eficiente. “Hoje, ninguém, com exceção das próprias empresas, sabe quanto o Governo está pagando a mais por um aluno FIES, visto que o aluno pagante recebe inúmeros descontos, muitas vezes cumulativos,” diz a mesma fonte.
Um dos pontos fortes do FIES defendido pelas empresas sempre foi seu custo-benefício. Dizia-se que um aluno em universidade pública custava até cinco vezes mais que um aluno do FIES. Os dados agora mostram um ‘gap’ menor: um aluno em faculdade pública custa menos que o dobro de um aluno do FIES.
A reforma do FIES é uma das tarefas mais espinhosas do novo Governo. O programa é uma causa justa executada com racionalidade econômica tendendo a zero.
Um dos maiores legados do ministro Mendonça Filho seria uma nova fórmula que continue a garantir o acesso ao ensino superior, mas com controle de qualidade e de forma sustentável para um Tesouro hoje de pires na mão.