Apesar da constatação, estou calmo. Mais calmo do que costumo estar quando tudo vai bem. E mais calmo do que a maioria das pessoas com quem tenho encontrado. Percebi isso quando me perguntaram como eu podia estar em paz em meio ao atual turbilhão. Não soube responder de pronto, mas a questão me fez refletir. Concluí que se trata de uma combinação de fatores.
Empreender por mais de quatro décadas no Brasil significa já ter enfrentado uma série de crises, desafios e viradas no negócio. A Arezzo nasceu como uma pequena fábrica de sapatos fundada por meu pai, meu irmão e eu, sem que nenhum de nós entendêssemos do assunto inicialmente. Não nos tornamos sapateiros e criadores da maior varejista do setor no Brasil sem duras superações pelo caminho. A experiência me ensinou a passar por momentos adversos com serenidade.
Decidi compartilhar aqui alguns dos aprendizados que tanto os anos de bonança quanto os de crise me ensinaram, e que hoje me ajudam a manter a calma na turbulência.
1. Respeite a crise, mas foque no negócio. É a primeira vez que me lembro estar pensando e falando sobre a crise enquanto ela acontece. Hoje, já fora do dia a dia e do conselho de administração da Arezzo, tenho o papel de olhar para o negócio em perspectiva. Tenho, portanto, mais tempo para refletir sobre o presente e o futuro.
2. Toda crise traz oportunidades. Encontre-as. Seja qual for sua área de atuação, toda crise gera oportunidades. Sabendo disso, sua missão é descobri-las – com criatividade, inteligência e bom gosto. Pode ser o lançamento de um produto novo (e não estou falando de promoção, mas de algo novo mesmo, com projeto, engenharia e preço novos); a descoberta de um canal de distribuição mais adequado ao momento; a reavaliação de políticas de prazos; a suspensão de investimentos que podem esperar; ou o desenvolvimento de abordagens sedutoras para atrair os clientes.
Aproveite a saída forçada da zona de conforto para inventar algo que não teria espaço se a vida estivesse normal.
3. Respeite a demanda. Não antecipe a oferta. Um dos dilemas de varejistas em tempos de crise é manter um estoque menor, para evitar o risco de não ter dinheiro para pagar os produtos que não tiverem procura; ou um estoque maior, para ter a possibilidade de vender para aqueles que quiserem comprar em meio à redução da oferta. Minha posição é conservadora.
5. Permita-se retroceder. O que me faz viver nesta busca constante por adaptação é não nutrir expectativas por objetivos estáticos. Se, durante uma crise, o negócio entrar em baixa, tudo bem. Isso é permitido. Faz parte.
Aceite que sua demanda pode encolher. Depois pode aumentar de novo. A verdade é que não existe negócio que só aponte para cima. Se você cair, caia com jeito para não se machucar a ponto de sair do jogo. Sempre se pode levantar – e avançar de novo.
Viveremos um período de escassez. Haverá uma redução drástica no volume de negócios no mundo todo. Viagens, eventos, reuniões estão sendo cancelados – e a situação ainda pode se agravar. Mas estou certo de que o melhor jeito de superar essa crise é enxergar além dela.