Jamie Dimon, o CEO do JP Morgan, declarou recentemente que o bitcoin era uma fraude. Semanas depois, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, afirmou que o estágio das criptomoedas é tão inicial que não merecia a atenção do órgão. Dias depois foi a vez do vice-presidente da mesma instituição declarar que o bitcoin não era uma moeda, mas um mero ativo de especulação. E comparou a criptomoeda às tulipas holandesas do século XVII, responsáveis pela primeira bolha registrada na história econômica. 

Por trás destes ataques está a crença de que as criptomoedas são uma onda que vai passar em algum momento… assim como os especialistas foram contundentes na chegada dos primeiros microcomputadores ao mercado na década de 70. Ficou famosa a frase de Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment, gigante do setor, em 1977: “Não há nenhuma razão para alguém querer ter um computador em casa”. Ou como no início da Internet, que, sem muito conteúdo, não apresentava grande valor para o usuário e, desta forma, muitos achavam que morreria logo. Robert Metcalfe, fundador da 3Com, uma das grandes referências em inovação tecnológica nos anos 90, afirmou: “Eu prevejo que a Internet vai crescer como uma supernova e então, em 1996, sofrer um colapso catastrófico”. Quando o iPhone foi lançado, em 2007, Steve Ballmer, então CEO da Microsoft, perguntou: “quem vai pagar 500 dólares por um telefone?”. 
 
Mas por que é tão difícil para quem está tão envolvido num setor enxergar o valor das inovações, especialmente quando elas são, de fato, disruptivas? 
 
Há quatro razões principais que explicam estas reações.

A primeira é que estas tecnologias seguem uma curva de desenvolvimento exponencial, conforme descrito por Ray Kurzweil, fundador da Singularity University. Como os seres humanos são treinados a pensar de forma linear, temos dificuldade de projetar a capacidade futura de um produto que se desenvolve de forma exponencial. Por exemplo, quando apareceram os primeiros carros autônomos, há dez anos atrás, a indústria automobilística não os considerou uma ameaça, principalmente por duas razões: tecnologia e preço. A tecnologia ainda era incipiente, apresentava muitas falhas; um motorista precisava ficar atento e corrigindo os comandos do software o tempo todo para que o carro não se envolvesse num acidente. E o custo de um veículo autônomo era proibitivo, já que somente o hardware do sistema custava 10 vezes o valor de um veículo comum nos EUA. Assim, se seguisse uma evolução linear, é provável que os carros autônomos levassem centenas ou milhares de anos para se tornarem comerciais. Porém, evoluindo de forma exponencial, isto tornou-se realidade em menos de uma década.

A segunda razão vem da ação de uma parte do nosso cérebro, conhecida como ‘cérebro antigo’. Esta área é a responsável por decisões e funciona como uma máquina de sobrevivência. Age rápido, com o objetivo de defesa. Assim, temos a tendência de olhar para algo muito novo e rejeitá-lo, formando muito rapidamente uma opinião. A maioria das pessoas acaba por não ir a fundo e estudar detalhadamente o problema. Por incrível que pareça, as empresas também agem desta forma. Cria-se um pensamento coletivo e aqueles que vão contra a corrente são discriminados e sofrem pressão interna por pensarem de forma diferente. A Blockbuster deixou de comprar a Netflix em 2000 por US$ 50 milhões. Anos depois foi engolida pela startup, que hoje vale 1.000 vezes mais do que na época em que foi rejeitada pela Blockbuster. Quanto tempo você dedica para estudar algo em que não acredita? Na maioria das vezes, a resposta é ‘muito pouco’, se comparado àqueles temas dos quais gostamos e que não nos desafiam.

A terceira é porque algumas inovações contradizem nossa visão de mundo, ou mais especificamente nossas crenças sobre aquela realidade. O caso clássico é o da Kodak, que construiu um negócio centenário baseado no filme químico. A câmera digital ia contra todo o processo de geração de imagens tradicional. E para pensar na fotografia digital como algo factível era necessário se distanciar do espaço mental em que a empresa estava inserida e assumir um olhar externo, desprovido da visão de indústria que a empresa tinha. Nosso viés para confirmar nossas convicções é tão forte que muitas vezes desprezamos números que possam negar nossas crenças. Por exemplo, se uma pessoa acredita que em noites de lua cheia os bebês tendem a nascer com problemas respiratórios, ela vai perguntar às mães de crianças que nasceram com esta dificuldade se o parto foi numa noite de lua cheia. E toda vez que obtiver um resposta positiva, ela vai usar este número como uma prova estatística de sua crença.

Por último, há a situação em que o status quo é ameaçado pela inovação e ela pode representar uma ameaça à atual relação de poder. É o caso das cooperativas de taxi brigando para que os governos proíbam ou imponham regras mais rígidas contra o Uber. Ou das redes de hotéis lutando para que as cidades imponham restrições ao Airbnb, como Nova Iorque fez, limitando o uso da plataforma a períodos superiores a 30 dias. O que estas empresas ou pessoas estão tentando fazer é preservar benefícios garantidos pelo sistema atual e, neste movimento, preferem não enxergar ou admitir que estão diante de uma inovação poderosa. Enfrentam o novo atacando-o publicamente, numa tentativa de angariar aliados para sua causa.

Portanto, pode até ser que o valor do bitcoin (e de outras criptomoedas) esteja inflado. Pode até ser que suas cotações sofram ajustes nos próximos meses. Mas isto não significa que as criptomoedas são um modismo, que vão acabar após uma queda nos preços. Mesmo porque oscilações grandes já aconteceram e elas continuam crescendo (hoje já há mais de 1.300 criptomoedas no mercado). Há que se separar a discussão da bolha e da aplicação da tecnologia. O preço justo para o bitcoin não tem nada a ver com o seu potencial de adoção no mercado. As criptomoedas vieram para ficar, assim como a Internet. Estamos na versão 1.0 de toda esta transformação. Assim como o carro autônomo há dez anos, quando precisava de um motorista corrigindo o software para ele não bater. 

Para enxergar o potencial das criptomoedas, recomendo um roteiro com três passos muito simples para ajudar a formar uma opinião fundamentada sobre o assunto:

1- tenha a mente aberta; encare o tema de forma positiva, sem resistências e preconceitos;
2- tenha paciência para estudar o assunto. Leia e busque se aprofundar. Não fique nos argumentos superficiais, no nível dos prós e contras. Vá mais fundo na tecnologia, mesmo que não compreenda todos os detalhes técnicos;
3- olhe para o momento das criptomoedas como a fase de “decepção” da curva exponencial. Nesta fase, lembre-se, a tecnologia ainda tem limitações e poucas aplicações. Por exemplo, uma transferência de bitcoins de um usuário para outro pode levar até 20 minutos. Mas admita que esta barreira será superada no futuro; então não deixe que limitações como estas influenciem sua análise. Lembre-se de que elas são temporárias.

As criptomoedas poderão sofrer oscilações, mas vão encontrar a vocação que lhes trará valor — muito além da frágil beleza de uma tulipa.
 
Guilherme Horn é diretor de inovação da Accenture.