A maioria dos gestores faz um trabalho frustrante. Poucos conseguem ‘bater o mercado’.
Em 2007, Warren Buffett resumiu a situação da seguinte maneira: “Se sua mulher vai ter um bebê, será melhor ter a ajuda de um obstetra. Se o seu encanamento estiver entupido, melhor chamar um encanador. A maioria das profissões agrega um valor em relação ao serviço feito por alguém sem especialidade naquilo. Mas os gestores de investimentos, de maneira geral, não fazem isso.”
Buffett apostou US$ 1 milhão contra quem estivesse disposto a desafiar sua ideia de que, num período de 10 anos, um index fund (fundo passivo) que acompanha o S&P 500 teria um resultado melhor do que um fundo ativo.
Ted Seides, do Protégé Partners, topou – e perdeu. Houve períodos em que esteve na dianteira, mas, ao final, seu fundo rendeu 36,3% em dez anos. Apanhou de goleada dos 125,8% de valorização do Vanguard 500, um dos primeiros fundos passivos, criado por John Bogle em 1976.
As chances de Buffett ganhar a aposta eram de fato elevadíssimas, pelo que ensinaram os estudos sobre a Teoria de Portfólio ao longo dos últimos 70 anos.
Foi o trabalho de gente como os ganhadores do Nobel Harry Markowitz e William Sharpe (dois dos criadores do capital asset pricing model, o CAPM), Eugene Fama (pai da teoria dos mercados eficientes) e Myron Scholes (um dos autores da equação de precificação de derivativos, ao lado de Black, morto antes de ter tido a oportunidade de receber também seu merecido Nobel).
Esses são alguns dos protagonistas de “Trillions — How a Band of Wall Street Renegades Invented the Index Fund and Change Finance Forever” (Portolio Penguin, 352 pg, R$ 145), ainda sem edição no Brasil, do jornalista Robin Wigglesworth, repórter de finanças do “Financial Times”. É a história de como a inovação intelectual deu a base teórica para que um “bando de renegados de Wall Street” decidisse desafiar as grandes gestoras e criar fundos de índices de baixo custo.
No artigo “Portfolio Selection”, de 1952, Markowitz já havia indicado que o melhor equilíbrio entre risco e retorno seria uma carteira ampla de investimentos que englobasse todo o mercado. Sharpe, a partir dessa ideia, calculou a volatilidade de uma ação em relação à rentabilidade do mercado, e chamou esse índice de beta. Fama concluiu que o comportamento das ações é aleatório e impossível de prever. Em 1965, propôs que os mercados seriam “eficientes,” isto é, os preços refletem as melhores informações disponíveis naquele momento. Isso não quer dizer que os preços estejam “corretos”, mas é muito difícil identificar de antemão os desajustes.
A teoria estava dada. O desafio foi colocar as ideias na prática. Havia o obstáculo logístico de reproduzir em tempo real um índice de ações, seguindo a sua composição e as suas ponderações. A partir dos anos 1970, isso ficou mais fácil graças aos computadores. Outro obstáculo foi atrair clientes. Um marco foi a adesão do fundo de pensão da Samsonite, em 1971, que investiu no primeiro fundo passivo de índice, lançado pelo Wells Fargo.
A partir daí, os fundos passivos e os exchange-traded funds, ou ETFs, ganharam milhões de adeptos e representam hoje uma força poderosa e cada vez mais influente.
Um dos pontos de inflexão foi quando Larry Fink decidiu entrar no jogo. Em 2009, a BlackRock assumiu o controle da iShares, a maior emissora global de ETFs. “Larry emergiu como o novo rei de Wall Street”, escreve Wiglesworth.
Existem hoje cerca de 7.000 ETFs negociados em todo o mundo. Os três gigantes na área são a BlackRock, a Vanguard e a State Street. Do início tímido focado em alguns poucos fundos de pensão, hoje acumulam ativos que se aproximam dos US$ 30 trilhões. Ganharam uma dimensão que, para alguns, começa a distorcer o bom funcionamento dos mercados.
Os fundos precisam comprar e vender ações para a suas carteiras independentemente do potencial das empresas. Isso pode exacerbar a volatilidade nas cotações, como mostram alguns exemplos recentes. Se um país emergente está no índice MSCI EM, ele poderá ter acesso a fundos totais de US$ 1,5 trilhão. Se for rebaixado a MSCI Frontier, ficará com uma pequena parcela de aplicações que não passam de US$ 12 bilhões. “Um downgrade pode ter efeitos desastrosos, em termos de investimentos estrangeiros, para um país da América Latina,” escreve o jornalista. Sabemos bem como isso funciona…
Outra questão complicada está no fato de os gigantes dos fundos de índice serem os donos de praticamente um quarto dos votos de acionistas nas empresas em que investem — e, frequentemente, possuem posições relevantes em companhias que competem entre si. Há um conflito de interesse evidente.
Wigglesworth, contudo, conclui o livro dizendo que as vantagens têm superado os eventuais riscos: “Os renegados que deram vida ao investimento passivo estão entre os mais subestimados disruptores da era moderna. É importante reconhecer alguns dos contratempos da revolução a que eles deram início, mas os seus benefícios são reais — e enormes.”