Larry Summers e outros inflation hawks podem fazer sua dancinha da vitória, mas a previsão de que a inflação subiria mostrou-se verdadeira pelos motivos errados. É o que diz a economista Claudia Sahm, que trabalhou por mais de dez anos no time de analistas do Fed e fez parte do conselho econômico do governo de Barack Obama.

“Na narrativa deles, eles não falavam nada de covid. Falavam apenas do impacto do programa de recuperação econômica,” Claudia disse ao Brazil Journal. “Qualquer que tenha sido sua previsão, portanto, não trouxe uma peça crucial, que é a pandemia. A inflação não foi transitória, mas a covid também não. E depois veio Putin.”

 

Na avaliação da economista, vangloriar-se de um acerto pelas razões equivocadas embute um risco: “Se sua história estiver errada e você for colocado em um pedestal apenas porque acertou um número, você dará conselhos desastrosamente ruins”.

Ao contrário de Summers, ela não crê que os EUA precisem pisar fundo no freio para controlar a inflação. “Não, vamos respirar fundo. Não precisamos disso”.

Claudia foi economista do Fed entre 2007 e 2019. Nesse período, ela criou a Sahm Rule, um indicador que avalia em tempo real se a economia americana está em recessão. 

Segundo a regra, sempre que a média móvel trimestral da taxa de desemprego fica 0,5 ponto percentual acima do ponto mais baixo dos últimos 12 meses, o país está em recessão. Tem sido assim desde os anos 70.

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Por esse indicador, a economia americana ainda está distante de uma recessão – e, para Claudia, trata-se de uma ótima notícia o fato de os EUA estarem conseguindo controlar a inflação sem, até o momento, um pouso forçado na economia.

“Acredito que quando chegarmos ao final do próximo ano, teremos um núcleo da inflação bem próximo da meta, com a economia em um pouso suave,” disse ela, que hoje trabalha como consultora independente.

A seguir, os principais pontos da conversa.

 

Por que Larry Summers e outros ‘falcões da inflação’ estavam certos pelos motivos errados? 

Em 2021, enquanto o plano de resgate econômico estava sendo debatido no Congresso, houve uma discussão sobre o impacto na inflação. Mas nenhum economista, nem mesmo os falcões que acertaram ao prever a alta da inflação, falava sobre os efeitos da variante delta da covid nem poderia prever a invasão da Ucrânia. 

Qualquer que tenha sido a sua previsão, portanto, ela não trouxe uma peça crucial, que é a pandemia. A inflação não foi transitória, mas a covid também não. E depois veio Putin, certo? Temos uma pandemia mundial. Ela ainda está aqui. A China vive grandes paralisações. Temos problemas nos EUA como se a pandemia ainda estivesse aqui e temos uma guerra na Europa.

Além do mais, Larry e outros hawks diziam, por volta desse mesmo período no ano passado, que os EUA entrariam em recessão. Errado. Grande erro.

Não é correto fazer comparações com a década de 1970. A economia global é muito, muito diferente.

Mas você não acha que o Fed deveria ter começado a apertar a política monetária mais cedo? 

E se o plano de resgate econômico tivesse sido 1/3 menor? E se o Fed tivesse começado seis meses antes? Teríamos 2% de inflação? Seria menor, mas não 2%.

Larry Summers e Jason Furman estavam certos pelos motivos errados. Eles podem fazer a sua dancinha da vitória. Eu não me importo.

Mas eles não mudaram a história deles, a história deles diz que o plano de resgate era ruim e o Fed esperou demais. Para eles, tudo que importa é o impacto no lado da demanda. Você não vai ouvi-los falar sobre covid ou sobre guerra na Ucrânia, porque isso mudaria a narrativa deles.

Se sua história estiver errada e você for colocado em um pedestal apenas porque acertou um número, você dará conselhos desastrosamente ruins.

Não, não precisamos causar uma recessão com o aumento expressivo do desemprego. Agora ele disse que precisamos de uma taxa terminal de juros de 6%. Não. Vamos respirar fundo. Não precisamos disso.

Lael Brainard, a vice-presidente do Fed, fez um discurso muito importante há poucos dias. Falou sobre como grande parte da inflação é impulsionada pelo choque de oferta e que as ferramentas do Fed não são adequadas para isso. O pensamento econômico padrão pode não se aplicar agora.

As autoridades do Fed têm falado sobre balanço de riscos. Por isso devem diminuir a velocidade do aperto. Será um alívio para o mundo inteiro. Já começamos a ver isso. O dólar recuou. É algo positivo, porque as commodities são precificadas em dólares e a dívida de vários países é em dólares. 

Não existe o risco de o Fed perder credibilidade se as expectativas se afastarem da meta de inflação? 

Essa é a maneira padrão de pensar. Boa parte da política monetária dominante está baseada na ancoragem das expectativas de inflação, algo que não conseguimos medir direito.

Nos anos 70, tivemos inflação alta por uma década. Tivemos gastos fiscais maciços nos EUA, foi o período das políticas sociais da Grande Sociedade. Houve a Guerra do Vietnã. Uma fase de muitos gastos com déficit fiscal.

Agora temos inflação alta há menos de dois anos e ela está desacelerando. Estamos vendo alívio em commodities. E, de dedos cruzados, teremos um inverno menos rigoroso na Europa.

No balanço de riscos, será que a inflação deve ser vista como tão alta a ponto de desequilibrar tudo? Depois da alta dos juros que tivemos, alguém ainda pensa que o Fed não leva a inflação a sério?

Sim, acho que o Fed deveria ter aumentado as taxas antes. Havia bons argumentos para iniciar a alta no final do ano passado. Sim, eles deveriam ter parado as compras de ativos em 2020, assim que os mercados se estabilizaram.

Mas o fato é que os EUA desfrutam, pela primeira vez em várias recessões, de uma recuperação com emprego elevado. Good news is good news, right?

A política monetária funciona com defasagens longas e variáveis. Acredito que, quando chegarmos a esse ponto do próximo ano, teremos um núcleo da inflação bem próximo da meta, com a economia em um pouso suave.

Seria uma boa ideia aumentar a meta de inflação americana para 3%, como propôs o economista Olivier Blanchard?

Você pode imaginar o desastre de comunicação que teríamos se o Fed vier a público e disser: “Bem, na verdade não queremos 2% de inflação, queremos 3%.”  Ou, “queremos uma inflação de 4%”.

A única coisa que concordei com Larry em toda a entrevista dele à Bloomberg, na semana passada, foi quando ele disse que não devemos mexer na meta, porque seria como um time que desloca a trave para acertar o gol.

Seria reescrever a descrição do seu trabalho para que você tenha uma avaliação melhor no final. Você não pode fazer isso, nem mesmo o Fed. Haveria uma reação do Congresso.

Como crítica dos ortodoxos, qual sua opinião sobre a Modern Monetary Theory?

Tenho uma abordagem muito eclética da política fiscal e monetária. Não sou adepta de nenhuma escola em particular. Dito isso, há algumas coisas na MMT que eu aprecio.

O importante para essa teoria não é quanto você gasta nem como você paga por isso. É o que você faz com ele. Um trilhão de dólares pode ser gasto incrivelmente bom, e eles enfatizam em particular as metas de pleno emprego. O macro tradicional tende a colocar muito mais peso na inflação.

Precisamos pensar sobre quais problemas estamos tentando resolver e o que precisamos fazer. Às vezes, isso significa gastar dinheiro.

Tenho simpatia por algumas ideias da MMT, acho relevante trazer novas ideias para o debate. Mas não uso o bóton da MMT. Até porque não uso nenhum bóton.