Em cinco anos, o número de CPFs na Bolsa brasileira foi multiplicado por 10 e já passa dos 5 milhões.
Novas gerações de investidores estão abraçando o mercado de capitais – mas nem sempre entendendo como o jogo funciona.
Para mostrar os riscos e os vieses comportamentais que muitas vezes fazem o novato perder dinheiro, os economistas Fernando Chague e Bruno Giovannetti escreveram Trader ou Investidor?, que acaba de sair pela Intrínseca.
Os autores são professores da Escola de Economia de São Paulo da FGV (EESP-FGV), e anteriormente davam aulas na FEA-USP. Em comum, têm se dedicado a pesquisar o mercado financeiro brasileiro e o desempenho dos investidores – particularmente dos destemidos day traders.
“Se o investidor parece um velejador, o trader parece aquele cachorrinho pinscher, que é bem pequenininho, mas acha que consegue enfrentar todo mundo,” escrevem Fernando e Bruno.
O day trader se acha mais astuto do que outros investidores, mas, como mostram as pesquisas, perde rios de dinheiro – e não dá o braço a torcer. Esses investidores especulativos ficam presos, mesmo sem saber, a armadilhas de vieses comportamentais, mostram os pesquisadores.
Entre as pessoas físicas que atuam como traders, são raríssimas as que acumulam lucros de fato. “Já corretoras, influencers, casas de análise e a própria Bolsa, esses sim, ganham muito dinheiro,” dizem os autores.
Quem fatura também são as grandes instituições, “infantilmente enfrentadas” pelos day traders.
Em um estudo, Fernando e Bruno analisaram mais de 19 milhões de transações de pessoas físicas entre 2012 e 2018 e observaram o resultado das transações 120 dias úteis à frente.
Resultado: em 46,5% das compras, a rentabilidade ficou abaixo do retorno médio do mercado.
Em outro artigo, publicado em 2020 e feito em parceria com Rodrigo De-Losso, Fernando e Bruno mostraram que um total de 98.378 indivíduos fizeram seu primeiro day trade entre 2013 e 2016, mas somente 554 continuaram atuando após mais de 300 pregões.
“Essa é a primeira informação relevante para alguém que esteja interessado em viver de day trade: a taxa de desistência é extremamente alta,” afirmam.
Eles então calcularam o resultado bruto diário para cada um desses 554 day traders. A média foi um prejuízo de R$ 49, e a mediana, uma perda de R$ 62.
Apenas 127 indivíduos tiveram lucro bruto diário médio acima de R$ 100; acima de R$ 300, apenas 76.
Os day traders operam sob a influência de vieses comportamentais, dizem os autores, e por isso alimentam a convicção de que podem bater os gestores ultra capacitados e com anos de janela.
Entre esses vieses estão o gosto pela adrenalina das operações e a atração por papéis de empresas em crise, que estejam em evidência e pareçam a aposta em uma loteria.
Um exemplo pôde ser visto na derrocada da OGX.
Em um estudo feito junto com o economista Bernardo Guimarães, os autores mostram que, em meio à crise de confiança na petroleira de Eike Batista, pequenos investidores continuaram comprando ações, ao passo que os papéis eram liquidados pelos investidores institucionais.
“No começo de 2012, menos de 10% das ações estavam nas mãos de investidores amadores, ao passo que, no final do ano seguinte, esse número era maior do que 50%,” escrevem os economistas.
A demanda pelas ações impediu que elas caíssem ainda mais – ou seja, os pequenos investidores, iludidos por uma possível retomada, acabaram pagando caro por um papel que viraria pó.
Os estudos de Fernando e Bruno se inspiram em pesquisas feitas em outros países.
Com as redes sociais e a popularização dos influencers, os investidores amadores se multiplicaram pelo mundo. Quase sempre eles quebram a cara, mesmo que não reconheçam os prejuízos, até porque o comportamento de festejar as poucas vitórias e desconsiderar as perdas é outro viés comportamental.
Na parte final do livro, os autores listam algumas recomendações e sugestões para os investidores amadores não caírem em armadilhas e criarem portfólios de investimentos seguros e rentáveis no longo prazo – colocando o dinheiro, por exemplo, em papéis do Tesouro direto, e comprando ETFs.
Com o passar do tempo, dizem Fernando e Bruno, as pessoas podem ir se educando e se transformando de traders em investidores. “Esperamos que nosso livro seja uma contribuição para que isso aconteça.”
Os autores farão uma sessão de autógrafos hoje às 19 hs na Livraria da Vila do JK Iguatemi.