“Foi para isso que me contrataram,” Cristiano Ronaldo respondeu à imprensa mundial na noite de 11 de março, depois de marcar os três gols da vitória da Juventus em cima do Atlético de Madrid, numa virada histórica que levou o clube italiano às quartas de final da Liga dos Campeões da Europa.

Acompanhando esse momento da Champions League, cheguei a conclusão de que a publicidade brasileira está precisando da confiança no próprio talento, da autoestima e do espírito de luta do Cristiano Ronaldo.

Sei que a metáfora com o futebol é uma metáfora barata, típica de políticos sem nenhuma formação intelectual, como o ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual presidente Jair Bolsonaro.

Mas, no caso da publicidade brasileira dos dias de hoje, ela serve direitinho.

Particularmente para mim, que morando fora, passei a observar a nossa publicidade de um jeito diferente.         

Quando participava do dia a dia no Brasil, eu via o que estava acontecendo como quem assiste a um jogo de futebol na televisão, acompanhando apenas os lances mais próximos. Mas morando em Londres, acompanho a publicidade brasileira à distância, como quem assiste a um jogo de futebol no campo, tendo uma noção de conjunto maior, o que permite uma análise melhor.

Tenho visto na publicidade brasileira poucos craques em ação, e muitos deles com receio de praticar a publicidade arte, declarando, por insegurança e medo, que preferem a publicidade de resultados. Como se a publicidade arte e a publicidade de resultados existissem separadamente, coisa que só quem desconhece profundamente a atividade pode imaginar.

Tenho visto também um número enorme de pernas de pau:  publicitários desesperados, fazendo ou falando bobagens, acreditando ingênua e burramente que assim podem atrair clientes e por consequência faturamento para suas combalidas agências.

 
Algumas agências dizendo ser também consultorias, quando na verdade uma agência que trilha esse caminho não se torna uma consultoria, mas deixa de ser uma agência, abrindo espaço para as consultorias de verdade contratarem criativos e ocuparem o seu lugar.

Já outras agências contratam profissionais que trabalhavam em anunciantes para dizer que tem gente que entende como se comporta um anunciante, quando na verdade os anunciantes já tem “profissionais de anunciante” o suficiente nas suas empresas, e o que eles querem e precisam é de profissionais de agência. Profissionais de publicidade.

Diversas agências voltando ao velho discurso de que quem tem que brilhar é o produto, não o publicitário, conversa fiada de séculos atrás que não convence nenhum anunciante de nível profissional e intelectual elevado, porque esse tipo de anunciante tem consciência de que só profissionais brilhantes são capazes de fazer publicidade brilhante e por consequência eficiente.

Temos também agências dizendo que agora é a hora de criar Brand Lovers de maneira científica, o que é técnica e humanamente impossível.

E temos até agências concordando que chegou a hora de transformar em ciência exata algo que sempre foi, e sempre será, uma ciência humana. Bill Bernanbach já sabia disso 60 anos atrás: “Ainda que quiséssemos que a publicidade fosse uma ciência exata, porque simplificaria a nossa vida, ela não é. A publicidade é uma arte sutil, jovem, cambiante, que desafia fórmulas e é afetada pela imitação, onde algo que um dia é eficaz, no dia seguinte deixa de ser, simplesmente por ter perdido o impacto da originalidade.”

Enquanto isso — no meio dessas dúvidas, angústias e inseguranças por parte dos publicitários brasileiros — anunciantes locais e internacionais continuam promovendo concorrências desrespeitosas e predatórias, sem que a maioria das agências se recuse a participar.

Declarações descabidas e mal intencionadas como as que foram feitas contra as Bonificações de Volume — programa de incentivo criado pela Rede Globo e copiado por todo o mercado — são repetidas por desinformados e oportunistas, sem a veemente contestação de boa parte dos dirigentes das agências, que sabem perfeitamente que os programas de incentivo não tem absolutamente nada de ilegal, e estão certamente entre os maiores responsáveis pela prosperidade da publicidade brasileira.

Mais do que isso: num universo que batalhou anos para criar uma personalidade própria, reconhecida mundialmente, a publicidade brasileira está deixando de falar português, com a repetição exaustiva de uma série de expressões e chavões em inglês, como se estivéssemos nos primórdios da implantação da atividade no Brasil.

E enquanto um talento mundial como Lady Gaga reage a manifestações cafajestes sobre a premiação de seu filme “A Star is Born” apelidando as redes sociais de “esgotos sociais”, muitas agências de publicidade incentivam suas equipes e clientes a terem uma postura cada vez mais covarde e subserviente em relação às redes, sem detectar, julgar e aderir aquilo que tem lógica e pertinência, nem contestar ou simplesmente desconhecer aquilo que não tem procedência.

Expressões como “unicórnio”, saída das startups de tecnologia, e “mulher genuinamente digital”, extraída dos movimentos feministas, ganharam espaço na mídia especializada como algo que deve ser ambicionado por um publicitário ou publicitária em início de carreira, enquanto ninguém se preocupa em explicar para esses jovens o porquê do não surgimento, nos últimos anos, de campanhas brilhantes como “Skol Desce Redondo” ou “Pergunta lá no Posto Ipiranga”.

Alguém sabe explicar? 

David Hockney, certamente o maior artista plástico vivo, disse anos atrás que não se deve ouvir o que um artista fala, e sim ver o trabalho que ele faz. 

 
Eu, que não sou artista, mas já fiz alguns trabalhos, concordo com Hockney, mas tenho algo a dizer para quem está no dia a dia da publicidade brasileira:  procurem fazer um trabalho melhor e mais relevante, para todo e qualquer tipo de mídia, sem nenhum preconceito, mas procurem também não exaltar o fato dessa ser uma tarefa árdua e sacrificada.

Uma coisa que a vida me ensinou: se as pessoas não tem a sensação de que você faz o seu trabalho com extrema facilidade, significa que você ainda não é um grande profissional. 

 
Fred Astaire nunca passou a sensação de que precisava se esforçar para dançar. Assim como Cristiano Ronaldo, que faz seus gols simplesmente porque “foi para isso que me contrataram.”
 
Este artigo foi publicado originalmente no Meio & Mensagem, que gentilmente nos permitiu sua republicação.