A Spectra — a gestora de ativos alternativos com mais de R$ 7 bilhões sob gestão — acredita que o mercado de venture capital “parou de fazer sentido” no Brasil.
Num relatório trimestral enviado a clientes, a gestora disse que “os valuations das startups continuam muito salgados.”
“Uma forma clara de expressar nossa visão é a seguinte: startups no Brasil são avaliadas a valores muito similares a startups no mesmo estágio dos EUA. Algo entre US$ 10-20 milhões [de valuation] para uma rodada seed. Contudo, o Total Addressable Market (TAM) que a empresa pode atingir nos EUA é muito maior do que no Brasil,” disse a gestora.
Segundo a Spectra, as empresas nos EUA podem ser 13x maiores que as do Brasil, usando o PIB como referência.
A gestora admite que existem outras variáveis envolvidas, como o nível de competição, que é bem menor no Brasil, “mas a direção deveria ser essa.”
“Startups no Brasil não deveriam negociar a um desconto de alguns poucos pontos percentuais das dos EUA. Elas deveriam valer uma fração das americanas dado o menor potencial que a nossa economia as permite atingir.”
Ricardo Kanitz, o founding partner da Spectra, disse ao Brazil Journal que a gestora tem reduzido sua exposição a venture capital nos últimos anos, tanto pelos valuations altos das startups quanto pela maior atratividade de outros investimentos alternativos.
No fundo III da gestora, de 2017, 25% da alocação foi para venture capital.
No fundo V, de 2021, essa fatia caiu para 10%.
No fundo VI, que foi captado agora e ainda está sendo investido, Ricardo disse que essa participação deve ficar em 10% ou até menos.
“E dentro desses 10% estamos cada vez mais indo para o nicho,” disse o cofundador da Spectra, que aplica em fundos de outras gestoras. “Antes operávamos no mar aberto. Agora, estamos buscando gestores que achem nichos e se especializem nele. Achamos que isso aumenta a chance de ter um retorno maior.”
Ricardo disse que vê boas oportunidades em três mercados principais hoje: os search funds, em que se investe em um time que vai buscar uma empresa para comprar e depois tocar; os fundos de legal claims, principalmente os focados em precatórios privados; e o mercado de franquias (recentemente, a Spectra investiu no fundo da SMZTO, a holding de franquias de José Carlos Semenzato).
Ricardo disse que a inflação nos valuations é um fenômeno global das startups, mas que no Brasil foi ainda mais acentuado.
Enquanto o valuation médio de uma rodada seed passou de US$ 5 milhões para US$ 10 milhões nos últimos dez anos nos EUA, no Brasil o salto foi de US$ 2 milhões para os mesmos US$ 10 milhões.
“O gap que existia deixou de existir,” disse o gestor. “Isso fez com que muita gente tivesse retornos muito bons no Brasil, o que atraiu ainda mais dinheiro, mas o mais provável é que no futuro o cenário seja o contrário do que aconteceu nos últimos anos.”
Ele lembra ainda que em private equity o desconto entre as empresas brasileiras e americanas continua existindo, com os deals de private equity saindo em média a 15x EBITDA nos EUA e a cerca de 7x no Brasil.
“Por que tem desconto em private equity e não em venture capital? Não faz sentido. O custo Brasil é igual: o risco político, a ciclicidade macro…”
Na carta, a Spectra dá um palpite sobre por que os valuations de startups brasileiras não se ajustam para “patamares que fazem sentido do ponto de vista fundamentalista.”
Para ela, isso acontece porque existe muito capital carimbado no mundo para esse tipo de investimento.
“Virou consenso entre os endowments americanos que para se investir em mercados emergentes, a única forma que faz sentido é via VC. Esse capital carimbado alimenta os fundos da região que, por sua vez, alimentam os valuations acima do valor justo para as startups brasileiras.”