A primeira vez que ouvi falar do coronavírus, não liguei muito para a notícia. Deve ser mais uma dessas gripes de lá, que não afetam nada aqui, disse a mim mesmo.
Mas poucos dias depois, uma informação fez toda a diferença.
Recebi um gráfico com as quantidades de soda e PVC produzidas na China. (São commodities que a Unipar produz, e por isso acompanho no detalhe.) Desta vez, o gráfico mostrava quedas de mais de 30%.
Pensei: “Se reduziram a carga nessa magnitude é porque a coisa lá foi séria. Desta vez o problema é diferente.”
O primeiro instinto do empresário é sempre proteger sua empresa e seus acionistas, mas desta vez, todos estamos sentindo uma responsabilidade ainda maior.
A tragédia humana que o coronavírus está causando não deixa ninguém que tenha um coração sair ileso, e nos obriga a dosar o instinto de sobrevivência natural com uma resposta solidária e sistêmica.
Como a Unipar é o maior produtor de cloro-soda da América Latina, temos um papel importante ainda que discreto na vida diária do país. Abastecemos a Sabesp com todo o cloro líquido que ela usa em seus processos de tratamento de água. A Sabesp, por sua vez, abastece 28 milhões de pessoas.
Derivados do cloro, por sua vez — como soda e PVC — são usados na fabricação de papel, alumínio, tubos, cabos e centenas de ítens que o hábito e as conveniências da vida moderna tornaram imprescindíveis.
Além disso, outro produto que fazemos, o ácido clorídrico, é fundamental para a eliminação do vírus de superfícies. (Estamos doando para as prefeituras de cidades mais pobres e aumentamos a produção para atender o tamanho deste enfrentamento.)
Quando percebemos o tamanho da crise, ficou claro que teríamos que produzir ainda mais, pois nossas commodities ganhariam um protagonismo improvável: isoladas em casa, as pessoas precisariam, no mínimo, de água tratada e produtos de limpeza.
Tragicamente esse vírus, assim como nossos produtos, afeta a todos — e numa escala que só saberemos quando a pandemia tiver chegado ao final.
A crise também revela o pior e o melhor no ser humano, que costuma ter as duas coisas dentro se si.
Recebi propostas sugerindo formas de ganhar mais com a crise. “Que tal uma nova marca de água sanitária?”
Fiquei pensando em como declinar educadamente daquela visão superficial e pretensiosa, certamente destinada ao insucesso em um horizonte mais largo. Acabei sendo educado na resposta — “Não posso fazer isso com meus clientes” — ainda que minha vontade era ser mais duro.
Um dos que me procuraram com a ideia “fantástica” depois teve a hombridade de me ligar e pedir desculpas. Confessou não haver pensado direito no que fez e disse estar arrependido. Hoje admiro mais essa pessoa. Ética se aprende ao longo da vida, e às vezes, errando.
Nesta crise, todos que estamos acostumados com a competição temos que passar a apreciar o valor da cooperação — seja da empresa grande com o cliente pequeno, do sistema financeiro com o setor real, do empregador com o empregado.
O zeitgeist está aí para quem quiser ver e, se possível, praticar. No Instagram, um funcionário me disse que decidiu pagar a escola dos filhos mesmo sem que haja aula, “afinal, eles também tem que pagar o salário de quem trabalha lá.”
A primeira reação do ser humano é sempre procurar o que é melhor para si, mas se admitirmos nossas fraquezas e interesses, poderemos chegar mais perto do tal do longo prazo, do altruísmo e da empatia. Só eles serão capazes de nos manter unidos, em laço, no momento crítico em que estamos.
E isso não é ser idealista. É ser pragmático.
Frank Geyer Abubakir é o acionista controlador e presidente do conselho da Unipar.