Um dos mais complexos acordos de indenização do Brasil — e cuja repactuação está sendo negociada há três anos e meio — está chegando na reta final, mas periga voltar à estaca zero se não for fechado logo.
Em jogo: R$ 140 bilhões que a Vale, a BHP e a Samarco terão que pagar para indenizar as vítimas da tragédia de Mariana e os Estados afetados pela queda da barragem de rejeitos de Fundão.
O timing para se fechar o acordo é sensível.
No final de agosto, o desembargador Ricardo Rabelo, do TRF-6 — que lidera a mediação entre as empresas e o Poder Público desde o ano passado — deixará sua função, e um novo desembargador assumirá o caso.
“Se não fizermos um acordo até lá, essa mudança do desembargador pode acabar mudando tudo,” disse uma fonte envolvida nas negociações. “O novo desembargador precisaria se inteirar do caso, e só isso já geraria mais um atraso enorme no processo.”
Caso a discussão se arraste até o final do ano, outras mudanças importantes podem afetar o processo: a saída do CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo, e dos procuradores federais, que também podem ser substituídos.
A última proposta na mesa foi enviada pela Vale, BHP e Samarco em 12 de junho. As mineradoras propuseram pagar R$ 140 bilhões, dos quais R$ 82 bilhões de dinheiro novo, ao longo de 20 anos; R$ 37 bilhões de valores já pagos pelas companhias; e outros R$ 21 bilhões em obrigações de reparo a serem cumpridas pelas empresas.
O Poder Público ainda não se manifestou oficialmente sobre essa proposta, mas a sinalização é de que espera um valor maior. Nos últimos dias, o Presidente Lula chegou a dar declarações criticando especificamente a Vale, dizendo que a empresa está “enrolando” para pagar o que deve.
O Procurador de Minas Gerais, Jarbas Soares, disse ao Brazil Journal que a visão dos órgãos da Justiça é que a última proposta das empresas é “uma evolução muito grande.”
“Mas para chegarmos onde precisa, para concluirmos o acordo e chegar no valor mágico, ainda falta um pouco,” disse ele.
Sobre qual seria este valor mágico, ele disse que “estamos na mesa de negociação.”
Já a Vale diz que atingiu seu teto com essa última proposta.
“Nos esforçamos muito para chegar nesse número e é o máximo que conseguimos chegar considerando a projeção de fluxo de caixa das empresas e a expectativa do preço do minério, que não deve ficar tão alto nos próximos anos,” disse o vice-presidente assuntos corporativos e institucionais da Vale, Alexandre D’Ambrosio.
Nesta proposta, o desembolso anual — considerando apenas o dinheiro novo — giraria na ordem dos R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1 bi seriam pagos pela Samarco e o restante dividido meio a meio entre a Vale e a BHP, as controladoras da Samarco.
O impasse para o acordo, no entanto, vai além do valor a ser pago.
Segundo uma fonte, não é apenas uma discussão “de puxa valor pra cá e pra lá. É também uma discussão de distribuição de responsabilidades e de compensações.”
Na última reunião entre os representantes das empresas e os diferentes entes do Poder Público, na sexta-feira, nem se chegou a debater o valor (por pedido do desembargador), segundo um dos participantes.
Toda a discussão ficou em torno de temas controversos que ainda precisam ser ajustados para que o acordo vá para frente.
Um desses temas é a quantidade de rejeitos que terão que ser retirados do Rio de Candango. Inicialmente, o Poder Público queria que as empresas retirassem todo o rejeito. As companhias argumentam, no entanto, que isso é impossível de ser feito, e se comprometeram a retirar 9 milhões de toneladas e compensar financeiramente pelo restante.
Há ainda um debate sobre quais são exatamente as áreas afetadas, que terão que ter um monitoramento futuro.
Outra discussão não pacificada: a retomada da pesca no Rio Doce. As empresas entendem que já há a possibilidade de retomar a pesca, dado que a tragédia ocorreu há oito anos e o monitoramento da água mostra que a qualidade do rio é boa, na visão delas. O Poder Público, no entanto, entende que não, o que demandaria mais compensações.
Na reunião de sexta, ainda não se chegou a um consenso sobre nenhum desses três temas. Uma nova reunião deve ser marcada em breve.
Parte da complexidade para se chegar a um acordo sobre Mariana tem a ver com a quantidade de entes envolvidos no debate: o Estado de Minas e do Espírito Santo, que foram diretamente afetados, e a União, já que os rejeitos chegaram no mar.
Para se ter uma ideia, nas reuniões recentes estão presentes representantes de cada uma das empresas, além de representantes da Advocacia Geral da União, da Casa Civil e dos Ministérios Públicos, Secretarias de Meio Ambiente, Advocacia Geral e Defensorias Públicas de cada um dos estados.
Em outras palavras: um grupo numeroso — e com interesses diferentes.
Mesmo entre as três empresas, não há um alinhamento completo. Para a Vale, por exemplo, o impacto reputacional é muito maior do que para a BHP, já que ela é uma empresa brasileira. Há, portanto, um incentivo maior para a Vale querer fechar um acordo rápido e encerrar o tema do que para a empresa anglo-australiana.
Em Brumadinho, o acordo envolveu apenas o Estado de Minas e a Vale, o que facilitou o consenso entre as partes.
Outro tema que tem sido um entrave na discussão é se parte dos recursos poderá ser usado para investimentos em outros municípios dos Estados afetados — como aconteceu com o acordo de Brumadinho.
Os estados querem ter essa flexibilidade, mas o Governo Federal quer que 100% dos recursos fiquem na região afetada. Segundo um envolvido, já se chegou ao consenso de que mais de 90% dos recursos vão ficar na região afetada, mas há um impasse envolvendo o restante.
“Se não fecharmos este acordo vai ser uma perda irreparável para Minas e o Espírito Santo. E se isso acontecer haverá responsáveis – e não será o Ministério Público,” disse Jarbas. “Nós temos que resolver isso logo! Não há mais discussão. Senão vamos chegar a quatro anos de um processo desgastante, enquanto os Estados e as vítimas continuam sem a reparação necessária.”
Para as empresas, o fechamento do acordo também é importante porque ele colocaria fim ao passivo jurídico da Vale. O acordo no Brasil esvaziaria a class action movida pelo escritório Pogust Goodhead em Londres, que só foi acatada na Justiça inglesa porque houve um entendimento de que o Brasil não havia feito Justiça aos afetados.