José Alexandre estudou economia na UFRJ e, logo em seguida, matemática no IMPA.

Rapidamente, enveredou por fazer o PhD na Universidade de Rochester, onde foi orientado por Lionel Mackenzie, um dos grandes economistas de meados do século passado.

No meio de seu terceiro ano de doutorado, José Alexandre recebeu o convite para se tornar professor assistente na Universidade de Chicago, algo inusitado na profissão e que moldaria sua carreira.

Uma vez em Chicago, em poucos anos foi promovido e conseguiu tenure, o emprego permanente. Para se ter uma ideia do tamanho desta realização, havia 17 anos que o Departamento de Economia de Chicago não promovia um professor assistente; o último havia sido o notável econometrista Zvi Griliches.

Quando, em respeito, foi agradecer aos colegas professores que o promoveram, ouviu de Gary Becker: “bem, José, nós o promovemos porque quisemos muito retê-lo (Scheinkman havia recebido uma oferta de outro lugar), mas você precisará mostrar que não foi um erro.”

José Alexandre diz que a frase foi muito importante para que o feito não o inebriasse.

Pesquisa polivalente: crime, cidades, capital social (e o gado)

A teoria moderna do crescimento econômico, sobretudo a partir das contribuições de Paul Romer, que foi orientando de doutorado de José Alexandre, enfatiza o papel das externalidades das novas ideias – um tema que retomaremos mais adiante.

A inovação bem-sucedida realizada por uma empresa eventualmente acaba se difundindo para as demais, levando a aumentos de produtividade por meio de novas técnicas ou métodos de gestão, ou à gestão mais eficiente do portfólio de produtos.

Essas externalidades tendem a ser mais eficazes quando as empresas estão mais próximas por estarem localizadas em cidades, em razão da proximidade geográfica.

Esse tema foi estudado por Edward Glaeser, Hedi Kallal, José Scheinkman e Andrei Scheifer, no artigo Growth in Cities, publicado no Journal of Political Economy.

A pergunta que os autores tentam responder é se existem combinações de setores mais propícios a essa difusão do conhecimento.

Utilizando uma base de dados de 170 cidades por mais de 30 anos, eles comparam três hipóteses concorrentes. A primeira é se a existência de concorrência e difusão das novas técnicas acaba desestimulando o investimento, pois parte do ganho seria capturado pelas demais firmas.

A segunda é se, ao contrário, a pressão de muitos competidores que atuam no mesmo mercado estimularia ainda mais o investimento em novas ideias.

A terceira, por fim, é se a existência de muitas firmas de setores diferentes na mesma cidade não estimularia mais as inovações precisamente pela diversidade de experimentação que levaria a soluções inesperadas.

O resultado, surpreendente, é que o terceiro caso se revelou o mais eficaz. Cidades com maior diversidade de setores, por vezes com peso bem menor do que no restante do país, tendem a apresentar maior crescimento. A menor especialização das cidades está relacionada ao maior aumento da produtividade ao longo do tempo.

Num artigo que já tem quase 8.000 citações científicas, os autores ainda investigam as razões pelas quais algumas cidades, apesar disso, tendem a se especializar mais em alguns setores.

Em outro artigo, publicado no Journal of Monetary Economics, Glaeser, Scheinkman e Shleifer estudam a relação entre as características da urbanização em 1960 e o crescimento de 203 grandes cidades nos Estados Unidos nas três décadas subsequentes.

Eles identificam que o aumento da renda e da população: (1) está positivamente correlacionada com a escolaridade no começo do período; (2) negativamente relacionada ao nível inicial de desemprego e (3) negativamente correlacionada ao percentual inicial de empregos na manufatura.

Os autores são cuidadosos com a análise empírica, procurando analisar possíveis efeitos de migração e da evolução da tecnologia sobre os salários, assim como outras razões que poderiam enviesar os resultados, tendo em vista as técnicas de estimação disponíveis nos anos 1990.

Uma extensa literatura em diversas áreas das ciências sociais estuda como aspectos institucionais e culturais afetam o desempenho econômico dos países. Em complemento a instituições formais, normas sociais ou capital social, parecem representar variáveis relevantes na indução de ganhos de troca e, como consequência, na prosperidade de diferentes economias.

Esse mesmo cuidado com a análise dos dados aparece  em outros trabalhos de José Alexandre sobre temas relacionados à interação social.

Existiam muitos argumentos teóricos sugerindo que normas e convenções, sintetizados no termo capital social, seriam relevantes para explicar o desempenho econômico dos países.

A dificuldade era mensurar e testar essas variáveis: uma teoria sobre o efeito de capital social nos resultados econômicos só é útil se tiver contrapartida empírica, o que requer que seja mensurável e possa ser confrontada com a evidência disponível.

José Alexandre, em conjunto com Edward Glaeser, David Laibson e Christine Soutter, realizou – muito antes de sua disseminação na profissão – um experimento aleatorizado com alunos de graduação de Harvard que permitiu uma estimativa de medidas de confiança e confiabilidade, aspectos relevantes de capital social.

O resultado dessa pesquisa, Measuring Trust, foi publicado no Quarterly Journal of Economics. Trata-se do seu segundo artigo mais citado.

Desde meados do século passado, a economia passou por duas revoluções metodológicas. A primeira, a partir do fim da Segunda Guerra, foi construir modelos matematicamente precisos sobre as conjecturas propostas. O objetivo era identificar as implicações de cada conjunto de hipóteses.

Houve um pouco de tudo. Foram desenvolvidos modelos de equilíbrio geral, com diversas mercadorias, consumidores e firmas. Alguns adotavam a hipótese de ativos financeiros que davam conta de todos os fenômenos possíveis, outros permitiam mercados incompletos.

A Teoria dos Jogos tratava de casos com comportamento estratégico e, também, de temas de cooperação. Havia modelos com agentes racionais, mas, cada vez mais, com racionalidade limitada. Em muitos casos, os preços eram determinados para garantir o equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados. Em outros, havia a possibilidade de racionamento.

O objetivo era identificar as implicações para a interação social das mais diversas hipóteses sobre as regras do jogo e a interação dos agentes.

A segunda revolução ocorreu na pesquisa aplicada. A disponibilização de bases de dados cada vez mais amplas e o desenvolvimento das técnicas de estimação permitiram um notável avanço na avaliação empírica da adequação dos modelos.

A economia passou a adotar métodos de estimação mais elaborados, como experimentos com grupos de controle aleatorizados, entre outras técnicas. Isso permitiu maior robustez na avaliação dos modelos que sobreviviam aos testes estatísticos e maior confiança nas estimativas de causalidade.

José Alexandre contribuiu significativamente para avançar essas duas revoluções, que acabaram invadindo muitos temas distantes da economia, como os determinantes da demografia, saúde e educação.

Um exemplo é a análise dos determinantes da criminalidade desenvolvida por Gary Becker, o prêmio Nobel e colega de José Alexandre em Chicago, que enfatizava aspectos econômicos e de incentivos associados à atividade criminal.

O modelo de Becker, contudo, não era capaz de dar conta da variação da ocorrência de crimes entre regiões e ao longo do tempo.

José Alexandre, em conjunto com Glaeser e Sacerdote, propôs uma abordagem alternativa. Suponhamos que existe um efeito manada: cada pessoa que adota comportamento criminoso induz pessoas próximas a fazerem o mesmo. Com essa hipótese simples, eles conseguem reproduzir a variabilidade dos dados de crime no tempo e espaço.

Esse é apenas o primeiro exemplo de alguns dos trabalhos de José Alexandre que se valem da teoria econômica e da evidência estatística para analisar os problemas do nosso cotidiano.

Outro caso é um artigo inesperado de José Alexandre, Kevin Murphy e Sherwin Rosen – sobre o gado de corte.

Eles partem da constatação de que gado de corte constitui uma das séries econômicas mais previsíveis que existem, e que gado é, simultaneamente, investimento/capital e bem de consumo.

Com base nesse fato, eles desenvolveram um modelo que, a partir de tomadas de decisão inteiramente racionais quanto à criação de gado para reprodução, gera um equilíbrio que emula de maneira precisa as séries de tempo de gado de corte. O artigo Cattle Cycles foi publicado no Journal of Political Economy.

Aparentemente, não há limites para José Alexandre se valer da economia e das evidências para entender o mundo.

 

Marcos Lisboa e Vinicius Carrasco são economistas. Este é o segundo de uma série de quatro artigos comemorando a carreira e o legado de José Alexandre Scheinkman. A séria continua aqui.