Em meio à avalanche de notícias sobre clinical trials de antivirais e pesquisas sobre vacinas, é difícil para o leitor leigo entender em que ponto estamos da longa trajetória em busca de dias melhores. Este artigo é uma tentativa de mapear e consolidar os principais movimentos que estão acontecendo.
A má notícia é que talvez ainda falte muito. A boa é que os dados que chegam são bastante encorajadores.
O esforço global de pesquisa e desenvolvimento avança em escala e velocidades nunca antes vistas, um verdadeiro Plano Marshall da saúde, e está tornando possível grandes avanços em tempo recorde graças ao trabalho incansável de médicos, cientistas, profissionais de saúde, instituições acadêmicas e indústria farmacêutica.
Após o vazamento de informações bastante positivas de outro estudo sendo conduzido na Universidade de Chicago na semana passada, e de outro estudo menor na China que não havia atingido os objetivos, hoje pela manhã a Gilead, líder em drogas antivirais para HIV e hepatite, reportou avanços com o remdesivir, um antiviral originalmente desenvolvido para tratamento de Ebola e que hoje está sendo avaliado em mais de 20 estudos clínicos para covid-19 no mundo inteiro.
A Gilead reportou resultados parciais a respeito de dois destes estudos.
O principal deles está sendo conduzido pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos. As informações ainda precisam ser mais detalhadas, mas o que sabemos até agora nos deixa otimistas:
• O estudo tem um design robusto, é duplo-cego, controlado com placebo e randomizado — o padrão-ouro em pesquisa clínica. Duplo-cego significa que nem o paciente recebendo a droga, nem os médicos avaliando a evolução de cada caso sabem se o paciente está recebendo a droga em estudo ou o placebo. Isto, junto com a randomização (um sorteio de quem recebe remdesivir ou placebo), elimina o viés natural de se observar melhores resultados com a droga.
• Incluiu mais de mil pacientes com covid-19, o que proporciona mais robustez aos achados. Também incluiu casos moderados e severos, uma amostra mais representativa da população com covid-19.
• A testagem do remdesivir foi interrompida no meio do caminho, o que indica uma eficácia clínica importante. Explica-se: em estudos controlados com placebo, uma vez que a eficácia da droga é claramente identificada, não é mais ético continuar administrando placebo e o estudo é interrompido. O grupo placebo passa a receber a droga também.
• Neste grupo de pacientes, o remdesivir reduziu em 30% o tempo de internação e em 27% a mortalidade, claramente demonstrando que a droga é ativa contra a covid-19.
• Não apresentou efeitos adversos fora do esperado e é geralmente muito bem tolerada.
O que falta saber: qual foi a redução da carga viral nos pacientes tratados; e se pacientes com doença mais moderada e tratados mais precocemente respondem melhor, como é comum com drogas antivirais, dentre outros pontos.
Mas o que já está 100% claro é que temos uma droga ativa, capaz de modificar favoravelmente o curso da covid-19. Uma vitória da ciência e da medicina que traz esperança a todos, e já se fala em possível aprovação pelo FDA em uma semana.
O outro estudo, conduzido pela própria Gilead, comparou o uso de remdesivir por 5 dias com o uso por 10 dias em 400 pacientes hospitalizados com covid-19 severa. O estudo demonstrou que a dosagem por 5 dias é equivalente à dosagem administrada por 10 dias.
Isto é importante porque caso a droga se afirme como tratamento de escolha para covid-19, poderão ser tratados duas vezes mais pacientes com o suprimento de droga disponível. A Gilead já vem fabricando a droga em capacidade máxima desde janeiro, antes mesmo de saber se teria dados positivos.
Outras drogas promissoras
Segundo o Milken Institute, no momento existem 182 tratamentos e 90 vacinas sendo avaliados para covid-19. Dentre estes, os anticorpos desenvolvidos em laboratório ou a partir de pacientes curados contra o SARS-CoV-2 (nome oficial do vírus) e as vacinas estão entre os mais promissores.
Várias empresas já conseguiram sintetizar anticorpos específicos para covid-19 e acreditamos que esta classe tem um ótimo potencial para eficácia, segurança e rápida aprovação, que poderia ocorrer em poucos meses:
1) Por serem anticorpos humanos, já utilizados há vários anos para outras doenças, são drogas consideradas muito seguras.
2) Anticorpos humanos também foram desenvolvidos e utilizados com sucesso na epidemia de Ebola em 2019, com bons resultados em casos graves.
3) Além de tratar os doentes, os anticorpos podem ser administrados para proteger trabalhadores em áreas críticas e também os chamados grupos de risco antes mesmo de contrair a doença, até termos uma vacina disponível.
Os anticorpos mais promissores em desenvolvimento são os da Regeneron Pharmaceuticals e os da Vir Biotechnology. Estas drogas começam estudos Fase 1 em humanos em junho, estudos Fase 2 (de eficácia) em julho/agosto e poderiam estar disponíveis para uso em pacientes a partir de setembro/outubro em um programa acelerado de aprovação similar ao que foi utilizado na epidemia de Ebola.
Vacinas
Em relação às vacinas, já temos 9 candidatos em estudos clínicos em humanos, incluindo várias abordagens diferentes (vírus inativado, proteínas virais, vírus híbridos, vacinas baseadas em RNA, etc). Destaque para as vacinas da Moderna, Pfizer/Fosun e a da Universidade de Oxford/Jenner Institute.
O SARS-CoV-2 apresenta uma taxa de mutação relativamente baixa, 25 mutações por ano contra 50 mutações por ano do vírus da gripe sazonal. Sua estrutura, com os ‘spikes’ que formam sua já famosa coroa, parecem alvos de acesso relativamente fácil para anticorpos induzidos por uma vacina.
Além disto, o fato de 90 candidatos com múltiplas abordagens estarem em desenvolvimento simultâneo multiplica as chances de sucesso para uma ou mais abordagens diferentes.
O grupo de Oxford está bastante otimista e acredita ser possível ter os primeiros “milhões de doses” disponíveis em setembro, o que é incrivelmente rápido para uma vacina, já que normalmente são necessários de 6 a 8 anos para desenvolvimento e aprovação.
Como o time de Oxford já havia testado uma vacina similar para outro tipo de coronavírus em humanos no ano passado, demonstrando a segurança do produto, eles já partiram para estudos grandes, com 6 mil pacientes no total.
Fabio Jung é médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fez MBA em Health Care Management pela Wharton, e é sócio da One Partners.