A galeria inglesa Robilant+Voena acaba de abrir em seu espaço da Madison Avenue a exposição Ahead of her Time: Pioneering Women from the Renaissance to the Twentieth Century.

A exposição tem chamado a atenção por apresentar uma obra (recém-descoberta) da artista barroca Artemisia Gentileschi (1593-1653), bem como obras de outras artistas mulheres do século XVII ao XX que não eram vistas em público há décadas.

Gentileschi é considerada a maior mulher artista do século XVII, uma seguidora de Caravaggio, mas com características próprias espetaculares.

Como Caravaggio, foi mestre em capturar a emoção e a tensão em suas pinturas. Com um estilo ousado e carregado por vivências pessoais, explorou como temas o poder feminino e a justiça. Ainda que de vanguarda e desafiando os costumes da época, foi reconhecida durante a vida, sendo a primeira mulher a integrar a Accademia delle Arti del Disegno.

É inusitada a atenção recente do mercado por mulheres artistas dos séculos XVII/XVIII. Mas o mais interessante, com relação a Gentileschi particularmente, é entender o papel que o movimento #MeToo teve neste revival em torno dela.

Em 2018, durante as audiências no Senado americano para a confirmação de Brett Kavanaugh para uma vaga na Suprema Corte, uma mulher denunciou ter sido violentada por ele durante a adolescência dos dois. Mesmo com o escândalo, Kavanaugh foi confirmado, o que causou revolta entre as mulheres americanas.

Inconformados, grupos femininos fizeram viralizar nas redes uma pintura de Gentileschi, realizada ao redor de 1615 e representando a cena bíblica do Antigo Testamento em que Judite decapitava o general Holofernes. A pintura recria de forma dramática o momento em que Judite, com ajuda de outra mulher, degola o general. Gentileschi pintou Judite à sua imagem e semelhança e seu mentor, Agostino Tassi, como Holofernes.

(Gentileschi produziu duas versões sobre a mesma cena: a primeira está no Museo Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, e a segunda está na Galeria Uffizi, em Florença.)

Agostino violentou Gentileschi, e ela o denunciou às autoridades locais e o levou a julgamento. Ele foi condenado em juízo após um tortuoso processo criminal, mas não cumpriu nenhuma pena. Se hoje em dia um julgamento é difícil para as vítimas desse tipo de crime, imaginar uma jovem mulher na Itália do começo do século XVII é um fato histórico digno de não ser esquecido mesmo depois de quatro séculos.

Dada a notoriedade do caso criminal, a leitura autobiográfica e catártica dessa pintura é inevitável. A artista teria destilado ali toda sua raiva e frustração contra os homens e a justiça. O movimento #MeToo se apropriou dessa imagem, que virou um símbolo na luta contra violência à mulher.

A obra tomou tamanha dimensão que despertou um renovado interesse pela artista. Sua importância histórica foi revista por acadêmicos e, logicamente, pelo mercado de arte.

Sua técnica era prodigiosa, o que a fez ter sucesso em um período em que a mulher não tinha nenhum direito ou espaço além de funções domésticas. Ou seja, para se reconhecer o valor artístico de uma mulher em 1600, o trabalho tinha mesmo que ser inquestionavelmente extraordinário.

Ainda assim, mesmo quem conhece pouco sobre arte costuma saber quem foi Caravaggio – mas quase ninguém conhece Artemisia Gentileschi. Ou não a conhecia até pouco tempo atrás.

No texto de abertura da mostra em Nova York, a curadora enfatizou o entusiasmo “em destacar as extraordinárias contribuições artísticas das mulheres para a arte ao longo dos séculos, em contribuir para o crescente corpo de estudos em torno dessas protagonistas femininas e em oferecer uma oportunidade para o nosso público aprender mais sobre os consideráveis ​​desafios enfrentados até mesmo pelas mulheres mais talentosas e intrépidas num mundo dominado pelos homens, enquanto procuravam reivindicar o seu lugar no cânone da história da arte.”

Recentemente, outro quadro de Gentileschi, intitulado Lucretia, foi leiloado e atingiu o recorde de € 5,2 milhões  – espantoso para uma artista que 10 anos atrás praticamente não tinha mercado além de determinados museus.

Nunca se sabe se o mercado cria a tendência ou a segue. A boa notícia é que o mundo das artes tem buscado reparar a história, identificando mulheres de enorme talento que não tiveram o mesmo reconhecimento e fama que seus contemporâneos (mesmo que 400 anos depois).