Desde a aprovação da Lei da Eletrobras, as térmicas inflexíveis – aquelas que ficam ligadas o tempo todo – estão sendo demonizadas.

A exigência naquela lei de que a Aneel chame leilões de energia para 8 GW destas térmicas – leilões a serem disputados pelo setor privado, sem ônus para o Tesouro e sem obrigatoriedade de construção de térmicas ou gasodutos pelo Poder Público, ao contrário do que repetem irresponsavelmente os que não leram a lei – é frequentemente caracterizada pelos críticos como um “jabuti” pernicioso ao consumidor e ao País.

Infelizmente, neste tema, as narrativas têm predominado sobre os fatos.

As térmicas inflexíveis funcionam como uma espécie de bateria para o País, garantindo o suprimento nos momentos de intermitência das fontes hídrica, eólica e solar, e – este é um ponto muito importante – ao mesmo tempo reduzindo a volatilidade brutal no preço da energia que temos experimentado nos últimos anos.

Agora, no momento em que o Senado rediscute artigos importantes da lei da Eletrobras – com o PL 11.427/18, conhecido como o PL das eólicas offshore – é essencial que a sociedade entenda o papel das térmicas inflexíveis para a segurança de fornecimento do sistema elétrico brasileiro.

Ao ficarem ligadas todo o tempo, essas térmicas ajudam o Operador Nacional do Sistema (ONS) a gerenciar a água dos reservatórios, num momento que a maior parte das hidrelétricas brasileiras são a fio d’água – ou seja, só geram energia quando chove.

Outra vantagem: num momento em que os investidores despejam dezenas de bilhões de reais em projetos eólicos e solares, é importante entender que, quanto mais capacidade instalarmos nestas fontes, mais precisaremos de térmicas “na base” para garantir a confiabilidade do sistema.

Mais: daqui até 2028, expiram a totalidade dos contratos de fornecimento das térmicas a óleo, altamente poluentes e caras.  As térmicas a gás propostas no PL são as substitutas naturais, dado que são menos poluentes e mais baratas.

Os críticos dizem que as térmicas na base oneram o sistema por ficarem ligadas o tempo todo.  Mas o que ninguém parece entender é que a volatilidade de preço gerada pela matriz atual é o que realmente sai caro para o consumidor. Os picos tarifários gerados pela matriz atual se refletem na inflação e aumentam a inadimplência.

As térmicas são o melhor seguro contra apagões no Brasil, um País com gargalos enormes na infraestrutura,  e que não aguenta um ciclo de crescimento sustentado com a infraestrutura atual.

Tem chovido muito desde o início do Governo Lula.  Isso derrubou o preço da energia no mercado livre e fez muita gente achar que as térmicas são prescindíveis – como se estivéssemos vivendo num novo normal.

A memória dessa gente é curta – e o País não deveria tomar esse risco.

Olhando para frente, a matriz brasileira não pode ficar tão refém do clima quanto é hoje.  É preciso comprar um seguro – e manter o pagamento em dia.

O PL 11.427/18 faz isso ao manter uma exigência de leilões para as térmicas na base. O PL propõe 4,5 GW, enquanto a Lei da Eletrobras exigia 8 GW.

O impacto líquido na conta do consumidor com esta solução é de R$ 7,5 bilhões/ano – uma conta que vale a pena pagar em prol da segurança do sistema e a redução da volatilidade do preço da energia.

Um teste desta hipótese é o seguinte desafio.

Se as térmicas de base propostas no PL já estivessem em operação, como teria sido nossa passagem pela crise hídrica de 2021?

O preço da energia (PLD) teria sido bem menor, e o despacho fora da ordem de mérito teria sido nulo. Além disso, teríamos um nível de reservatórios bem mais confortável ao longo do caminho. Assumindo um investimento para construir 4,5 GW de térmicas, o resultado teria sido uma redução líquida de custo da ordem de R$ 23 bilhões para o sistema elétrico brasileiro.

Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).