Os americanos Mark Gainey e Michael Horvath nunca tinham pisado no Brasil. Mas amanhã de manhã já tem destino certo: vão conhecer a ‘Bolinha’ da USP, o circuito em volta da Praça da Reitoria, na Cidade Universitária, que virou febre entre os ciclistas paulistanos e se tornou o trajeto mais percorrido no mundo no Strava, a ‘rede social para atletas’ que eles fundaram em 2009.
Mesmo sem nenhuma estrutura no país e nem campanhas de marketing direcionadas, o Brasil já é o terceiro maior mercado do Strava – e caminha para se tornar o segundo, passando o Reino Unido e ficando atrás apenas dos Estados Unidos em números de usuários.
Agora, o aplicativo quer ter uma pegada mais local: está em busca de um country manager, que terá como missão ‘aumentar a comunidade’, fazendo parcerias com influenciadores e com parceiros de mídia.
“Já somos grandes aqui, mas podemos dizer, com tranquilidade, que estamos apenas começando”, diz James Quarles, ex vice-presidente do Instagram, que assumiu o comando do Strava em maio. Ele está no Brasil ao lado dos cofundadores, que participaram hoje do blastU, um festival de empreendedorismo em São Paulo.
Entre os exemplos de possíveis parcerias no Brasil, Quarles cita o que acontece no Tour de France: a TV francesa já inclui dados de performance do ciclista em suas transmissões, o que pode ser replicado aqui, inclusive em outros esportes.
Para quem não acorda cedo para correr e passa longe do whey protein: o Strava é um aplicativo para atletas profissionais ou amadores no qual o usuário pode medir e compartilhar sua performance em diversos esportes. O app é mais conhecido por ciclismo e corrida, mas tem uma gama de modalidades que varia de escalada a kitesurfing.
A ideia é de superação – própria ou em relação aos colegas –, o que explica porque a ferramenta virou um fenômeno entre empresários e executivos do mercado financeiro, acostumados a tentar bater benchmarks.
A equipe do Strava não fala português, mas o app tem capital brasileiro. No começo do ano, a Go4It, de Marc Lemann, filho de Jorge Paulo, investiu na companhia.
Ao todo, em cinco rodadas, o Strava já captou US$ 70 milhões e tem sócios como o Sequoia, um dos maiores gestores de venture capital do mundo.
A empresa não abre seu número total de usuários recorrentes, mas as sinalizações são superlativas: Quarles diz que, a cada 45 dias, mais de um milhão de pessoas são adicionadas à base global.
Segundo o executivo, o brasileiro é um público sui generis. Além de competitivo, é extremamente sociável: é seguido ou segue 2,7 vezes mais pessoas no app do que a média mundial. “Estava na praia em Copacabana ontem e pude notar isso na prática: uma faixa enorme de areia, mas todo mundo se concentra no mesmo ponto”, brinca.
Apesar de incentivar a competição entre seus usuários, o Strava não tem pressa. “Não estamos na ‘Olimpíada do Vale do Silício’, operando naquele modo de quem criar e vender uma empresa antes ganha”, diz Mark Gainey, um dos fundadores. “Tanto nós quanto nossos investidores pensamos no longo prazo, num horizonte de 20, 30 anos. Queremos construir uma marca que seja a primeira referência quando se pensa em esporte”.
Ele e Horvath já operaram no modo ‘olímpico’: em 1995, lançaram a Kana Communications, um dos primeiros softwares corporativos para gestão de relacionamento dos consumidores, ainda no florescer da Internet. A companhia abriu capital alguns anos depois, deixando-os com uma liquidez confortável – e em busca de um novo desafio.
Amigos desde 1987, quando se conheceram na equipe de remo de Harvard, eles pensavam há décadas em uma solução que remontasse à sensação de ‘camaradagem e superação’ da época das competições esportivas da universidade.
A tecnologia, no entanto, ainda estava atrás – e a geolocalização que hoje permite medir a velocidade de uma ciclista, corredor ou nadador, por exemplo, ainda era coisa de ficção científica. Em 2009, mais de dez anos depois da primeira empreitada, lançaram o Strava, a palavra sueca para ‘to strive’, ou ‘se esforçar’ em português.
O aplicativo opera no modelo ‘freemium’. É gratuito até certo ponto, mas o usuário que quer funções mais sofisticadas pode fazer a assinatura de um produto premium, por US$ 59 ao ano.
As parcerias com marcas de materiais esportivos são outra fonte de receita: os parceiros oferecem produtos para a base de usuários e o Strava ganha uma comissão por acessos ou vendas efetivamente concluídas. No começo, eles chegaram a ensaiar uma operação própria de venda de roupas e equipamentos, mas a ideia foi abortada, por conta dos desafios logísticos. “Deixamos o ecommerce para quem sabe fazer ecommerce”, diz Quarles.
O Strava está monetizando também os dados gerados pelo aplicativo. Com o Strava Metro, eles vendem dados para melhorar a mobilidade urbana para prefeituras e autoridades de governo , mostrando, por exemplo, de onde e para onde vão as pessoas que usam bicicleta – o que dá uma dimensão da demanda por ciclofaixas. (A equipe tinha conversa marcada com o secretário de transportes de São Paulo para apresentar o projeto na tarde desta terça-feira)
Mesmo com as diversas linhas de receita, o app ainda não dá lucro. “E não estamos preocupados com isso por enquanto”, diz Quarles.
Após dominar os esportes ao ar livre, o Strava quer melhorar a experiência indoors – os dados mostram que 56% das atividades físicas acontecem em casa, estúdios ou academias.
Nos Estados Unidos, o app já começou uma série de parcerias com academias de ginástica, de corrida e de ciclismo para conseguir medir com precisão o desempenho dos usuários nas atividades realizadas entre quatro paredes. O modelo deve ser replicado no Brasil.
Outra função que deve ser melhorada no médio prazo é de ‘explorar’, que permite que o usuário encontre circuitos para percorrer nas cidades em que não está habituado. Com os dados coletados ao longo dos últimos anos, será possível encontrar um grupo de pessoas ou pelotão para se juntar em viagens internacionais, por exemplo.
“Não acreditamos que precisamos ‘disrupt’ o jeito que se faz atividade física, queremos melhorar o jeito em que se faz atividade física, sem solavancos e nem surpresas”, diz Quarles. “Acreditamos mais na qualidade da experiência do usuário do que em tecnologias transformadoras como inteligência artificial ou realidade virtual”.