O mercado de crédito privado está iniciando um ciclo de correção — com algumas emissões não conseguindo levantar o volume desejado e outras tendo que ser postergadas por falta de demanda.
Nas últimas semanas, pelo menos seis emissões passaram por situações como essa.
A mais recente foi a da Tigre, que buscava levantar R$ 651 milhões numa debênture de duas séries: uma de 5 anos a CDI + 0,6%, e outra de 7 anos a CDI + 0,7%. A fabricante de tubos e conexões optou por adiar a emissão anteontem à noite depois de entender que o mercado não absorveria a oferta nas taxas propostas.
A empresa já decidiu aumentar a taxa, mas ainda não relançou a oferta.
Uma emissão de R$ 1,7 bilhão da B3, e que propunha pagar CDI + 0,53%, não foi colocada à prova do mercado porque também foi adiada depois que a empresa decidiu fazer mudanças em outros aspectos da oferta.
Outro exemplo recente é a Auren, que lançou uma oferta para captar R$ 2,5 bilhões há duas semanas a CDI + 0,55%, mas não conseguiu fechar o livro; os bancos encarteiraram o papel. (Uma outra operação, de R$ 5,4 bi e desenhada para financiar a compra da AES Brasil, fechou porque tinha uma taxa mais gorda, de CDI + 1,10%).
A Eletrobras levantou R$ 3,8 bi, mas os bancos tiveram que encarteirar R$ 1 bi da oferta. A Hapvida captou R$ 2 bilhões, mas os bancos ficaram com R$ 1,2 bi.
A Rede D’Or lançou uma oferta de R$ 5,9 bilhões, mas o mercado absorveu apenas R$ 3,5 bilhões — e os bancos ficaram com o restante. Com prazos de 3, 7 e 10 anos, a oferta exemplifica como o mercado tem evitado principalmente os papeis de duration mais longo.
“Para as empresas foi um puta negócio, porque elas apertaram os bancos [nas taxas] e levaram o que queriam,” disse o head de DCM de um grande banco. “Os bancos foram trouxas em muitos casos – eu incluso. Ninguém quer carregar isso no balanço, porque quando você ajusta pelo duration, a gente cobra muito pouco para encarteirar.”
Desde que o mercado reabriu em julho do ano passado, não havia notícias de tantas transações falhando num intervalo tão curto de tempo.
“Acho que o mercado encontrou um limite, atingiu um platô e está entrando numa correção. Mas não acho que vai ser uma correção tão grande assim,” disse outro head de DCM.
Essa correção incipiente vem depois do mercado de crédito privado ter passado por uma compressão de spreads espetacular, principalmente nos últimos seis meses.
“Teve uma operação da TIM que saiu a CDI + 2,5%. Hoje, o papel negocia a CDI + 0,75%. O que aconteceu é que os spreads foram fechando, mas agora fecharam demais,” disse um banker.
Agora, com as operações vindo a mercado com taxas historicamente baixas, os fundos de crédito não estão mais absorvendo a oferta.
“Teve muito fluxo, e agora estamos vendo o fluxo diminuir. Então tá todo mundo jogando com os 10 na zaga,” resumiu um gestor de crédito. “Tem fundos que já estão rendendo perto do CDI este mês, e alguns até abaixo.”
Para os fundos, a conta simplesmente não fecha mais.
Se entrar numa operação a CDI + 0,5%, por exemplo, um fundo de crédito dificilmente conseguirá entregar um retorno acima do CDI — considerando que ele ainda tem que cobrar a taxa de administração, que em geral não fica abaixo de 1%. Além disso, o fundo ainda corre o risco de duration, porque os papéis ofertados são tipicamente longos, de 3 a 10 anos.
A situação cria um dilema para os gestores.
Os fundos — que receberam uma enxurrada de recursos recentemente por conta da alta dos juros — até poderiam guardar o dinheiro em caixa, mas isso pioraria ainda mais seu retorno, já que este capital estaria rodando a CDI.
Outra alternativa, que algumas gestoras têm adotado, é fechar os fundos para novas captações — uma decisão que nunca é fácil.
“Chegamos num ponto de inflexão. Não dá para ir mais baixo do que isso. Não vai ser uma correção brutal: os spreads não vão ter que subir 50 basis points, mas pelo menos uns 10 a 20 bps,” disse o banker.