É impressionante — e chega a ser revoltante — o nível de drama que o Congresso consegue infligir à sociedade. Talvez por isso, segundo o último Datafolha, ele perca em avaliação até para um Executivo inepto e tresloucado.

A última foi agora à noite: o Senado votou para derrubar o veto do Presidente Bolsonaro à medida que permite reajuste salarial para algumas categorias do funcionalismo público — produzindo mais uma derrota para o Governo, mais instabilidade para os mercados, e uma dor de cabeça para o País.

Ao votar contra o veto, o Senado — aparentemente tão repleto de populistas quanto a Câmara — está repudiando um acordo feito no final de maio e que contou com o apoio até dos governadores.

A novela começou em abril, quando o Ministro Paulo Guedes passou um mês costurando o acordo pelo qual a União daria R$ 125 bilhões aos Estados para combater a pandemia e diferir serviço de dívida.  

À época brigado com Rodrigo Maia, PG trabalhou para que o projeto nascesse no Senado; era uma forma de colocar azeitona na empada de Davi Alcolumbre e, por consequência, desidratar Maia.

Em troca, tudo que a União pedia era que os Estados ficassem proibidos de reajustar o funcionalismo até o final de 2021.

Quando o projeto do Senado foi para a Câmara, cerca de 200 deputados — grandes patriotas — tentaram se livrar integralmente da regra que proibia os aumentos, mas perderam no voto.  Em seguida, enxertaram várias exceções: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, policiais legislativos, técnicos e peritos criminais, agentes socioeducativos, funcionários da limpeza urbana, assistentes sociais e bombeiros.

O ponto comum entre os dois episódios:  a incompetência (e às vezes conivência) do Governo.  Em maio, foi uma emenda do líder do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo, que introduziu as exceções que permitem os aumentos.

Segundo o Estadão, o Governo hoje “foi pego de surpresa” pela votação no Senado e vai tentar reverter o quadro amanhã na Câmara.  Ainda segundo o jornal, o Ministério da Economia calcula que a derrubada compromete uma economia fiscal entre R$ 121 bilhões e R$ 132 bilhões que poderiam ser poupados em 12 meses, dos quais R$ 31 bilhões só para a União.  

A ironia é que, agora, o Governo precisa justamente de quem tentou desidratar para impedir que o veto caia:  Rodrigo Maia — neste caso, uma rima e uma solução.

Mas por que o mercado deveria se preocupar com a fraqueza do Planalto em conseguir se articular?  Há bilhões de motivos. Nos próximos dias, o Congresso vai analisar vários vetos presidenciais que, se revertidos, causarão um forte impacto fiscal em 2021: a ampliação do BPC (R$ 20 bi) e a extensão até 2021 da desoneração da folha (cerca de R$ 10 bi).

Até os estagiários da Faria Lima sabem — como na famosa frase do Chapolin — “quem poderá nos socorrer?” (Maia de novo!), mas será que o Congresso entende que bondades excessivas agora se transformam em mais imposto ali na frente, ou coisa ainda pior?

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UPDATE @ 22:40hs:  O Ministro Paulo Guedes reagiu há pouco à votação do Senado. “Pegar o dinheiro da saúde e permitir que se transforme em aumento de salário de funcionalismo é um crime contra o país,” disse PG numa entrevista coletiva.

“Houve um sinal muito ruim hoje. O Senado derrubou o veto do presidente da República. Nós colocamos muitos recursos na crise da saúde. E hoje o Senado deu um sinal muito ruim permitindo que os recursos que foram para a crise da saúde possam se transformar em aumento de salário. Isso é um péssimo sinal. Isso tem efeito sobre a taxa de juros, é muito ruim.”