O setor de laboratórios de análises clínicas pode estar perto de um evento de consolidação.

Uma nova dinâmica com os planos de saúde, a necessidade de saída de um investidor do setor, e movimentações bruscas nos preços das ações nos últimos dias sugerem que é uma questão de tempo para dois dos três laboratórios listados —  Fleury, Hermes Pardini e Alliar — acharem o caminho do altar. 

O gatilho mais imediato pode ser a tentativa do Pátria Investimentos de sair da Alliar, onde um fundo administrado pela gestora tem 25% do capital.

O acordo de acionistas da Alliar dá ao Pátria o direito de forçar os dois maiores sócios — Sergio Tufik e seu primo Roberto Kalil, que juntos detêm 31% da empresa — a vender sua participação a um preço mínimo igual ao do IPO: R$ 20 por ação.  Como este acordo de acionistas expira em outubro, o Pátria está prestes a perder este poder — e tem pressa para fechar uma venda.

Uma fusão Fleury-Alliar produziria sinergias significativas na medida em que a nova empresa ganharia ao cortar a redundância de despesas administrativas e de vendas.

Mas os incentivos para uma consolidação existem para todos os players, porque o setor enfrenta dificuldade de crescer. 

“Há alguns anos, era muito fácil fazer exames: não tinha um ‘gatekeeper’ e a caneta do médico era muito poderosa,” diz um investidor. “Mas esse mundo acabou.” 

Agora, a tentativa de reduzir a inflação médica leva os planos de saúde a tentar frear os custos dos exames, e o crescimento de operadoras de saúde verticalizadas tira clientes dos laboratórios.

O cenário de consolidação se torna cada vez mais provável porque cada empresa luta com desafios específicos.

No Fleury, sua principal marca está sob ataque na medida em que planos de saúde tentam substituir marcas premium por outras mais econômicas.   Nos últimos anos o Fleury promoveu uma grande expansão da A+, sua marca de combate, o que ajudou a aliviar o impacto causado pelo ‘downtrading’ do mercado.  

Mas agora, até essa estratégia enfrenta limitações: alguns planos de saúde estão resistindo a credenciar novas lojas e serviços, levando o Fleury a interromper o plano de expansão do A+.  (No setor, cada nova loja — e não a empresa — tem que ser credenciada individualmente pelos planos.).   

“Se o mercado de saúde não voltar de forma relevante, o Fleury fica sem crescimento,” diz um investidor, numa frase que vale para toda a indústria. 

Comprar o Alliar seria uma forma do Fleury crescer, além de aproveitar as sinergias.

“O que o Fleury faz bem, ele faz no mercado ‘high end’, mas o modelo da Alliar, mais voltado para o custo-benefício, é competitivo em preço com base em eficiência.  Esse segmento fortaleceria o Fleury no segmento que ele não opera tão bem,” diz outro investidor.

Mas há diferenças de cultura significativas entre as duas empresas: por exemplo, enquanto um técnico do Alliar opera vários exames de ressonância ao mesmo tempo, dando escala à operação, o técnico do Fleury tipicamente opera uma máquina por vez. Cada modelo funciona bem para sua respectiva companhia, e uma fusão que tentasse mudar essa lógica poderia destruir valor.

O consenso de mercado é que o casamento mais provável do Fleury seria com o Hermes Pardini — um negócio que esteve prestes a acontecer em 2015, quando as duas empresas valiam mais ou menos a coisa.  Na época, uma das acionistas do Pardini vetou a operação, e de lá para cá a relação de troca mudou muito: a favor do Fleury, e contra o Pardini. Hoje, o primeiro vale R$ 7,3 bilhões e o segundo, R$ 2,9 bilhões.

Uma espécie de Fleury de Minas Gerais, o Pardini precisa romper suas barreiras geográficas — hoje, entre 50% e 60% da receita das unidades de atendimento vem de Minas — e diversificar seu modelo de negócios, já que 58% da receita vem do negócio B2B, em que o Pardini processa exames coletados por terceiros.

Juntar os trapos faria bem a ambos: hoje, a fábrica do Fleury — o lugar onde os exames são processsados — tem várias máquinas pequenas, de fornecedores diferentes.  “É um modelo mais boutique, enquanto o Pardini é mais linha de produção,” diz um gestor.  

O Fleury está procurando um site para montar uma fábrica nova, com mais escala.  Enquanto isso, o Pardini tem uma fábrica moderna, na região metropolitana de Belo Horizonte, que está pronta para absorver demanda adicional.

A grande dúvida neste cenário é se a família Pardini conseguirá se entender.  Os desentendimentos entre os três acionistas — de um lado, o chairman Victor Pardini e sua irmã Regina, e, de outro, a outra irmã, Áurea — já acabaram, mas em se tratando de um movimento estratégico deste porte, não está claro que haveria consenso.

Também não está claro se algo muda depois da morte do patriarca da família.  O médico endocrinologista Hermes Pardini morreu na semana passada aos 85 anos.   Ele fundou a companhia em 1959, depois de ajudar a criar o laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também dava aula.

Nos últimos meses, o próprio Fleury tem dito a investidores que, ainda que uma fusão entre as duas companhias fizesse os Pardini perder o controle da nova companhia, eles continuariam a ser os maiores acionistas da empresa combinada.  

No mercado, alguns papéis têm feito movimentações bruscas.  Na sexta-feira, a ação do Pardini negociou R$ 34 milhões, contra uma média diária de R$ 7-8 milhões.  Dois dias antes, a ação da Alliar disparou 11,25% na última hora de pregão.