Perspectivas de um armagedom nuclear, pessoas vivendo em bunkers, ameaça de uma terceira guerra mundial, pandemias e paranoias generalizadas…
O que Rod Serling tratava há pouco mais de seis décadas como distopia ou ficção científica hoje é conhecido como história contemporânea.
Serling foi o criador da mais cultuada série televisiva de todos os tempos, Twilight Zone (no Brasil, Além da Imaginação). Os temores que o afligiam em meados do século passado não apenas permaneceram como ganharam nova dimensão.
Agora, 50 anos depois de sua morte, Serling se consolida como o futurólogo do apocalipse.
Para ele, o real e o fantástico se confundiam.
Nascido em Syracuse, Nova York, no dia de Natal de 1924, ele era o segundo filho de uma próspera família judia que perdeu tudo ao ser atingida pela Grande Depressão.
Porém, mais do que estudar, Serling foi estimulado pelos pais a se dedicar aos esportes (foi um ótimo tenista) e às artes (a família mantinha em casa um pequeno palco onde ele encenava esquetes). Ainda adolescente, Rod e seu irmão já se dedicavam a roteiros.
Até que veio a Segunda Guerra.
Rod se alistou voluntariamente, serviu nas Filipinas e, ao retornar, viu que qualquer delírio de sua imaginação era mínimo se comparado aos horrores que havia presenciado. Com a mente tomada por histórias, Serling percebeu que seus textos se adaptariam melhor ao novo veículo que crescia: a televisão.
Deu certo. Em pouco tempo, ele se transformou em um fenômeno, colaborou com estúdios, ganhou vários Emmys (o Oscar da TV americana) e virou um nome respeitado com a criação de Twilight Zone, em 1959.
Por cinco temporadas – mais tarde a série ganharia ainda três novas versões – Twilight Zone não transformaria apenas a televisão como mudaria o cenário da cultura norte-americana.
Ao todo foram 156 episódios, com muitos acima de qualquer média, como Time Enough at Last e I Shot an Arrow into the Air (que anos depois serviria de inspiração para a adaptação que Serling fez para a filmagem de O Planeta dos Macacos). Porém, um deles, The Monsters Are Due on Maple Street, não apenas entraria entre os clássicos como seria um resumo de todas as paranoias do autor.
Serling partia de um cenário idílico. Maple Street é uma daquelas típicas ruas de subúrbios americanos, com casas amplas e confortáveis, árvores, alpendres, cercas e churrasqueiras. Tem ainda crianças brincando pelas calçadas e até a doce melodia de um sino de um vendedor de sorvetes. Um microcosmo interessantíssimo para uma experiência ainda mais interessante.
A tranquilidade é quebrada por uma sombra aérea, um estrondo e um flash de luz. Não há explicação imediata. Apenas a energia elétrica cai. De uma maneira mais ampla não é apenas a falta de luz – que pouco afetaria a vida de todos naquele ensolarado dia – mas fogões, telefones e carros também têm seu funcionamento afetado.
A partir daí, Serling revela como o episódio se desenvolve, com a nociva interferência dos humanos, os verdadeiros monstros da rua. Começa com o fato que, para o acontecimento, cada um tem uma tese absoluta, das mais óbvias às mais esquisitas. Os que se propõem a uma ação mais prática, como, por exemplo, ir à rua vizinha para saber se ela também foi afetada, são desencorajados por um menino. O garoto lera um artigo sobre invasões de alienígenas em comunidades próximas e que estes monstros costumam ser rigorosos com uma medida: as pessoas não devem sair de casa.
Assim, as opiniões do menino, o descompasso entre os adultos, as crenças de cada um e a desconfiança de todos se ampliam. O caos começa a se instalar.
Daí para o final, nada mais se acerta. As pessoas brigam, uns ameaçam os outros, alguém sugere incendiar determinada casa, outros pegam em armas e um mais exaltado atira em uma pessoa que se aproxima sem ser identificada. E que, logo depois, se descobre ser apenas um outro vizinho. A histeria parece não ter fim.
A câmera se afasta, Maple Street, agora caótica, fica ao longe e o que se vê então é o topo de uma colina. Lá, estacionado, um disco-voador. Seus tripulantes nada têm de ameaçador. São calmos e analíticos. Observam o cenário e concluem que seu experimento – tão simples quanto genial – revela muito sobre o ser humano. Brincar com a rotina leva à histeria e à paranoia. Eles voltam à nave com a certeza de que a estratégia para novos ataques está perfeita: eles só dão a largada, todo o resto os humanos se encarregaram de destruir.
Com a série, Serling escancarava todas as suas obsessões, e também a de seus contemporâneos. Mas não via uma solução. Cansado e desiludido, ele entrou nos anos 70 escrevendo menos. Parecia estressado.
Os vários anos como fumante fizeram com que tivesse uma série de problemas cardíacos, o último deles, fatal. Serling era um pessimista com relação à humanidade – mas nunca deixou de interpretá-la.
O que, de certa maneira, era seu modo de enfrentar os inimigos.