Al Pacino usava camisa e calça pretas e um casaco de esqui multicolorido quando se reuniu, em 1995, com o compositor Howard Shore para discutir a trilha sonora de seu filme Ricardo III: um Ensaio.

Quando apresentou sua nova coleção em Nova York em 1957, Coco Chanel vestia paletó, saia e blusa de seda branca com abotoaduras douradas.

Itens de vestuário eram minuciosamente descritos nos textos que a jornalista Lillian Ross publicou na revista em que fez sua brilhante carreira: The New Yorker.

A vestimenta era um entre vários elementos materiais que ela usava para desnudar a alma de seus personagens – fossem eles artistas célebres ou estudantes do Ensino Médio.

A graça e a elegância com que essa jornalista lendária dispunha de tudo que seu poder de observação captava estão nos 32 textos de Sempre Repórter: Textos da Revista The New Yorker  (tradução de Jayme da Costa Pinto; Carambaia; 432 páginas).

A longevidade da repórter – que morreu em 2017 aos 99 anos – permitiu que ela participasse de quase todas as fases da The New Yorker. Lillian trabalhou na revista de 1945 até 2012, com um pequeno hiato no final dos anos 1980 e início dos 1990.

No posfácio de Sempre Repórter, Paulo Roberto Pires faz um bom apanhado da relação da jornalista com seus editores. Sob o comando do fundador da The New Yorker, Harold Ross (sem parentesco com Lillian), as condições das poucas repórteres na redação eram limitadas: ganhavam menos que os homens e não assinavam seus textos.

Depois da morte de Ross em 1951, William Shawn, seu sucessor, corrigiu essas distorções. Lillian foi amante de Shawn, que era casado com outra mulher.

Em Here but Not Here: A Love Story, livro publicado em 1998 – seis anos após a morte de Shawn –, ela recordou seu caso de décadas com o editor, para escândalo de alguns ex-colegas.

No plano profissional, a colaboração entre os dois representa um momento luminoso do jornalismo. Shawn teve a ousadia de aceitar, por exemplo, a ideia de Lillian para uma reportagem sobre a realização de um filme do estúdio MGM: narrar a história como se fosse um romance.

O filme, dirigido por John Huston, era The Red Badge of Courage (no Brasil, A Glória de um Covarde), baseado no romance de Stephen Crane sobre a Guerra da Secessão. Acompanhando as filmagens, Lillian fez um relato detalhado do choque entre a visão artística de Huston e as preocupações comerciais dos chefões do estúdio.

Publicada pela The New Yorker em cinco partes ao longo de 1950, a série foi reunida dois anos depois no livro Filme. Sempre Repórter traz seu primeiro episódio. 

O cinema ocupa boa parte de Sempre Repórter. Há uma seção inteira dedicada a atores.

Lá estão, entre outros, Julie Andrews, ainda uma jovem atriz inglesa do teatro musical que se apresentava nos palcos americanos pela primeira vez em 1954, e as veteranas Judi Dench e Maggie Smith, flagradas em 2005 durante um cansativo tour por Nova York para promover o filme O Violinista que Veio do Mar.

A peça mais impressionante da coletânea, porém, é sobre um escritor.

Em 1949, Ernest Hemingway e sua esposa, vindos de Cuba e a caminho da Itália, passaram alguns dias em Nova York. Ele aceitou ser ciceroneado por Lillian nesse período para que ela escrevesse seu perfil, publicado no ano seguinte.

A repórter estava no quarto de hotel do escritor quando Marlene Dietrich apareceu para tomar champanhe e o acompanhou à Abercrombie & Fitch para comprar casaco e cinto.

Lillian manteve-se fiel à sua regra cardinal: narrar o que viu, sem especular sobre o que seu entrevistado pensava. Esse relato rigorosamente objetivo revelou uma face desagradável de Hemingway.

O escritor, então com 50 anos, emerge do texto como um falastrão absorvido na própria vaidade. E sua bazófia ostensiva parecia ter um fundo melancólico.

Na sua insistência em se comparar a escritores como Maupassant e Stendhal em termos competitivos (em geral extraídos do boxe), Hemingway deixava transparecer certa insegurança em relação ao valor da própria obra.

Muitos críticos e leitores interpretaram o perfil como uma tentativa de demolir o perfilado. O próprio Hemingway, no entanto, gostou do texto.

Com justiça, Lillian Ross é considerada uma precursora do jornalismo literário. Mas é preciso cautela com essa expressão, que hoje serve de pretexto para reportagens em que o lirismo kitsch oblitera a objetividade.

Lillian Ross sabia que, como a literatura, o jornalismo é a busca não da palavra bonita, mas da palavra precisa.