Em 1990, o advogado e autor americano Mike Godwin, usuário dos fóruns de discussão Usenet (ainda nos primórdios da digitalização da nossa sociedade), observou um comportamento curioso.

Quanto mais extensa se torna uma discussão online, independente do tema ou do escopo da discórdia, mais alta a probabilidade de se chegar a uma comparação com Adolf Hitler ou os nazistas. O fenômeno foi batizado como Lei de Godwin, ou “a Lei das Analogias Nazistas.”

Na semana passada, ao descrever o adiamento da votação do PL 2630/20, vulgo PL das Fake News, o deputado federal André Janones escreveu em sua conta no Twitter: “Entre 1933 (quando Hitler foi nomeado Chanceler) e 1939 (início da Segunda Guerra), houve milhares de oportunidades de se parar o ditador alemão e impedir a guerra, porém, aqueles que se diziam a favor da democracia e da paz, deixaram TODAS passar, porque subestimavam o poder de Hitler. É exatamente o que acontecerá agora caso a PL das Fake News não seja aprovada! A história nos julgará!”

Independente do mérito do projeto, da sua votação ou do seu impacto na dinâmica da comunicação no país, será que é exatamente o que vivemos?

No início do ano, depois que a República sobreviveu a um momento lamentável que testou a solidez das instituições, o Presidente Lula anunciou a intervenção federal na segurança pública do DF chamando os manifestantes de “nazistas fanáticos”.

A Lei de Godwin se aplica ao discurso político brasileiro como um todo, e não é exclusividade de um lado do espectro.

Em postagem no Instagram em 10 de janeiro, o deputado Carlos Jordy, do Partido Liberal, escreveu sobre os manifestantes detidos: “Em pleno século 21, estamos diante de um campo de concentração aos moldes nazistas no Brasil.”

A radicalização do discurso político e a crescente aplicabilidade da Lei de Godwin é um sintoma da digitalização do discurso político.

Hoje debatemos como usuários do Reddit, do Twitter, do Facebook.  Nossos debates são rasos porque não precisam ser profundos.  Se o outro lado é a própria personificação do mal, é o Hitler, de que serve a nuance no argumento?

Assim, a comunicação política no Brasil e no mundo está cada vez mais preocupada com seu oponente.  O sujeito político passou a definir-se pelo seu oponente.  Se o outro lado é o mal personificado, ser oponente do mal significa ser do bem.  Porém, definir-se pelo seu oponente significa que o debate está fadado a ser crítico, e não mais propositivo.

Os cientistas políticos chamam este fenômeno de “partidarismo negativo”, um tema aprofundado pelos americanos Alan Abramowitz e Steven Webster em artigos sobre o bipartidarismo nos EUA.

O partidarismo negativo é a tendência de eleitores formarem suas opiniões políticas principalmente em oposição ao partido político que rejeitam.  Uma das causas do aprofundamento da polarização (que sempre existiu no Brasil e no mundo), o partidarismo negativo é potencializado pela gradual digitalização do discurso político.

Diz a lenda que a única forma de ferver um sapo é colocá-lo em uma panela de água em temperatura ambiente, e muito lentamente, gradualmente, aumentar a temperatura.  As mídias sociais e as novas tecnologias têm, lenta e gradualmente, aumentado a temperatura do nosso discurso político.  Foi tão gradual que é difícil perceber o seu efeito.  Quando nos tocamos, a água já estava fervendo.

Hoje é difícil diferenciar o nosso debate político de um fio de comentários em uma plataforma digital.  Impera a Lei de Godwin, e estamos todos mais burros por isso.

Michael López Stewart é sócio da Arko Advice, uma consultoria política em Brasilia.