Há exatos 20 anos, o racionamento de energia passou a fazer parte das preocupações constantes do setor elétrico e da sociedade brasileira. 

Hoje não é diferente: no ano passado, a pandemia deprimiu o crescimento econômico, o que nos permitiu enfrentar a falta de chuvas sem muito risco de um racionamento. 

Mas em 2021, com o sucesso tão esperado das vacinas, o Brasil poderá voltar a crescer — quem sabe em V.   Qual o risco de faltar energia? 

Há dois cenários. No primeiro deles, chove muito no período mais úmido do ano — janeiro, fevereiro e março — e conseguimos recompor o nível dos reservatórios. Isso, aliado a uma reação lenta da economia, nos salvará, mais uma vez, da possibilidade de racionamento. 

Mas no cenário alternativo, a chuva fica abaixo da média dos últimos anos, e as vacinas trazem a retomada da economia. Teremos de volta ou o  racionamento clássico como foi o de 2001 no Governo FHC, ou apagões seletivos determinados pelas concessionárias de distribuição.

Racionamentos têm repercussões políticas.  O de 2001/2002 talvez tenha sido o principal fator que determinou a eleição do Presidente Lula. 

Recentemente, o irmão do atual Presidente do Senado perdeu uma eleição municipal que estava praticamente ganha no primeiro turno devido ao apagão ocorrido no Amapá. 

Apagões derrubam governos, e a classe política é sensível a isso.

É importante refletir sobre como chegamos a essa situação em que o setor elétrico depende de rezarmos a São Pedro.

Depois dos eventos de 2001-2002, o fantasma do apagão voltou a rondar a economia em 2012, quando, no auge do populismo tarifário, o Governo Dilma aprovou a MP 579, que virou lei em janeiro de 2013. 

Como muitos se lembram, a MP se propunha a reduzir na marra a tarifa de energia em 20% — num momento em que o País já deveria estar ligando as usinas térmicas devido aos níveis baixos dos reservatórios, então ao redor de 50%. 

Dilma não quis saber. Ao contrário: ao reduzir a tarifa, o Governo criou um incentivo ao consumo, o que acabou esvaziando ainda mais os reservatórios das hidrelétricas. 

De lá para cá, o País nunca mais conseguiu recuperar um nível ótimo dos reservatórios. Houve uma queda estrutural no nível de armazenagem de água. Na Região Sudeste, depois das chuvas de dezembro, o nível dos reservatórios está hoje em 19%.

A escassez de água, por sua vez, tem obrigado o Operador Nacional do Sistema (ONS, o comando central que despacha energia) a despachar a energia mais cara — aquela produzida pelas usinas térmicas — desde 2013 com mais frequência, para não botar os reservatórios em risco ainda maior.

Como o País tem crescido quase nada, temos sido capazes de evitar mais um racionamento — com a ajuda também da bandeira vermelha, que é uma espécie de racionamento econômico. 

Desde 2014, a conta de luz passou a consumir entre 5% a 6% da renda média do brasileiro, versus 1,5% a 2,5% em países desenvolvidos. 

Há saída para este impasse agora?

Caso se concretize o cenário de pouca chuva e retomada da economia, o Governo terá que tomar quatro medidas. A primeira é o racionamento econômico, com a elevação das tarifas, como ocorreu no tarifaço de 2015. Teríamos um ano de bandeira vermelha. 

O espaço para isso não é grande, dado que as tarifas já se encontram num patamar muito alto, sem falar nas repercussões disso para a inflação. 

A segunda medida é continuar, como está ocorrendo atualmente, despachando as térmicas a gás e a óleo — por mais caras que sejam. 

O problema é que — se as chuvas não vierem e a economia crescer — nem essas térmicas podem ser suficientes para atender a demanda de energia. Se isso acontecer, os reservatórios declinarão ainda mais.

Os primeiros sinais de que já estamos em racionamento são sempre sutis. Começaremos a ouvir sobre cidades ou bairros que ficam 8 ou 12 horas sem luz, sem que ninguém consiga “explicar” de forma clara o motivo.  São os cortes seletivos de energia, para evitar que o sistema todo colapse sob uma carga insustentável.

A terceira medida será estabelecer políticas de administração da demanda dos grandes consumidores de energia, o que afetaria primeiro a indústria, e em seguida o PIB. 

Por fim, o Governo deveria incentivar imediatamente o uso mais eficiente da energia e da água por parte dos consumidores. Este programa educacional deveria ser perene, em vez de existir apenas em momentos críticos.

Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).