A Quero-Quero vai estrear na Bolsa valendo R$ 2,3 bilhões, num IPO que transforma a rede de material de construção e eletrodomésticos numa corporation da noite pro dia e dá início à marcha da companhia rumo ao interior de São Paulo.
O IPO também marca a primeira saída integral de um acionista controlador via Bolsa desde o IPO das Lojas Renner nos anos 90, quando a JC Penney foi a vendedora.
O Advent, que investiu R$ 300 milhões na companhia em 2008, levantou R$ 1,96 bilhão na saída. O fundo já havia tentado vender o ativo para players estratégicos ao longo de boa parte da última década, mas só encontrou liquidez neste ciclo de IPOs.
A Quero-Quero levantou R$ 270 milhões na tranche primária da oferta e terá um free float de 95%.
O preço ficou em R$ 12,65, no meio da faixa indicativa que ia de R$ 11,30 a R$ 14, dando à empresa um múltiplo de 28x o lucro estimado para 2021 — um prêmio sobre grandes varejistas como Carrefour Brasil, Renner e Lojas Americanas.
Os coordenadores foram BTG Pactual (líder) e Itaú BBA, Bank of America, Banco do Brasil, Bradesco e Easynvest (uma investida da Advent).
Um daqueles raros IPOs em que a estratégia de e-commerce não fazia muita diferença, a Quero-Quero tem 346 lojas, sendo 267 no Rio Grande do Sul, 47 em Santa Catarina e 32 no Paraná.
Um household name entre os gaúchos, a companhia faturou (bruto) R$ 1,6 bilhão e teve um EBITDA de R$ 124 milhões ano passado. Na última linha, R$ 38 milhões.
O CEO Peter Furukawa planeja abrir de 70 a 80 lojas por ano nos próximos anos, levando a empresa a novas geografias e margens melhores na medida em que a escala da operação aumenta. Um analista que participou da oferta espera que a margem cresça de 50bp a 100bp por ano.
Apesar de vender muito pouco por loja — R$ 5 mil por metro quadrado, contra R$ 11-12 mil na Renner e R$ 10 mil na Lojas Americanas — a operação da Quero-Quero fica de pé em grande parte graças a um combo poderoso: a venda de material de construção, eletrodomésticos e serviços financeiros.
A oferta de serviços financeiros em particular é um diferencial competitivo importante para uma companhia que opera em cidadezinhas onde o crédito não é tão abundante.
“Apesar das comparações, o modelo da Quero-Quero não tem nada a ver com a Leroy Merlin — é outro business,” diz um gestor que comprou o papel. “É difícil imaginar alguém tentando roubar mercado de um cara que só opera em cidadezinhas e que precisa ter custo mega sob controle para que a loja se rentabilize.”
Além disso, o capex para cada nova loja é baixo, e as despesas são controladas.
A Quero Quero é o sexto player do setor de material de construção em faturamento — depois da Leroy Merlin, Herval, Telhanorte, Grupo Cassol e C&C — mas o maior em número de lojas.
A companhia é um daqueles casos cada vez mais comuns em que negócios redondos do Brasil profundo encontram a Faria Lima — para eterna surpresa da última. Cerca de 42% das lojas da Quero-Quero estão em cidades com menos de 25 mil habitantes, e 60% em cidades com menos de 50 mil.
“A Leroy não vai pra lá — ela não tem nem modelo de loja para operar lá,” disse um investidor. “Todos os concorrentes são empresas grandes que têm 90% das lojas em cidades acima de 100 mil habitantes. A Quero-Quero não compete com os grandes; ela compete com lojinhas ou com redes muito pequenas.”
Alguns investidores ficaram de fora oferta por temer “o playbook clássico dos fundos de private equity.”
“Eles se concentram na melhora de produtividade e numa estrutura de capital puxada,” disse um deles. “Quando acertam o ciclo dá tudo certo, mas quando a coisa vira e o mercado fecha por alguns anos as operações costumam sofrer. Quem compra na euforia precisa ficar atento se o carro bonito e limpinho não vai estragar alguns kms na frente.”
Agora, o plano da companhia é aumentar sua base de lojas, começando pelo interior do Paraná e, em seguida, chegando ao interior de São Paulo.
O CEO Furukawa tem 11 anos de companhia. Antes de se tornar executivo do Advent (passou pela IMC), trabalhou nas Casas Pernambucanas, Submarino, Pepsico e McKinsey. Todos os principais executivos do time — os diretores financeiro, comercial, de crédito, de expansão e de operação — têm muitos anos de companhia.
Boa parte da rentabilidade da Quero-Quero vem dos serviços financeiros — um fator de risco na opinião de alguns investidores.
Cerca de 40% do lucro bruto da companhia vem das operações de crédito. A Quero-Quero tem 700 mil clientes ativos num cartão de crédito próprio — o VerdeCard — que pode ser usado para compras dentro e fora da rede.
E enquanto a Renner faz 44% de suas vendas no cartão próprio, a Quero-Quero faz 60% — cobrando 3,5% ao mês.