A Bloomberg publicou hoje cedo que a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, planeja fazer o IPO da Sadia Halal, sua operação no Oriente Médio.
(‘Halal’ é a palavra árabe para ‘permitido’. O termo designa a comida preparada de acordo com a lei islâmica, como definida no Alcorão.)
De acordo com as fontes da Bloomberg, a operação poderia levantar US$1,5 bilhão para a BRF e daria à Sadia Halal um valor de mercado de US$5 bilhões.
O problema é que, na conta de alguns gestores, este número parece esticado.
No ano passado, a BRF faturou R$6,3 bilhões na região que a empresa chama de MENA (as iniciais em inglês para Oriente Médio e Norte da África).
No ano passado, uma conjunção de fatores — grãos muito baratos, carne bovina (proteína substituta) com preço em alta no mundo inteiro e uma oferta de frango que ainda não havia crescido — fizeram a margem da empresa na região explodir para 23%, bem acima da margem da BRF como um todo, que foi de 17.2% ano passado.
Foi um ano excepcional, que infelizmente não deve se repetir.
Ainda assim, usando os números daquele ano atípico, o EBITDA da BRF na região foi de R$ 1,47 bilhão (ou US$446 milhões, ao câmbio de hoje). Se a empresa fosse vendida na Bolsa usando estes números, a Sadia Halal teria um múltiplo de 11,2x EV/EBITDA, um modesto prêmio em relação ao múltiplo da própria BRF, que está entre 9 e 10x EV/EBITDA.
O problema é combinar com os árabes.
Já no primeiro trimestre deste ano, a margem EBITDA da MENA caiu para 13,5% — um nível muito mais próximo de sua média histórica. Assumindo que a margem fique em 15% este ano, isto daria R$954 milhões em EBITDA (ou US$289 milhões ao câmbio atual). Nestas condições, para que o IPO desse à empresa um valor de mercado de US$5 bilhões, os investidores teriam que topar pagar um múltiplo de 17x EV/EBITDA pela Sadia Halal — um número bem mais difícil de vender.
“Para este múltiplo voar, ou o crescimento lá é muito maior do que a gente imagina, ou a margem vai ser muito maior,” diz um gestor que tem ações da BRF.
É cada vez mais comum empresas tentarem criar valor separando seus melhores negócios e listando-os na Bolsa como companhias independentes, apesar das críticas de alguns investidores, que se referem jocosamente a esta tática como ‘cambalhotas societárias’. “Eu preferiria que a empresa focasse em consertar o Brasil, que está indo muito abaixo do que deveria, em vez de tentar levantar capital ou apenas vender um ativo, o que daria um ganho de curto prazo,” diz um investidor.
Nos últimos trimestres, os resultados da BRF estão sob pressão com a alta do preço dos grãos e a perda de participação, no mercado de comida processada, para a rival JBS Foods, dona da marca Seara.
“Um IPO destes só faz sentido se for grande o suficiente para causar impacto no preço da BRF,” diz um gestor que aposta na queda das ações da BRF. “Dado que este ‘valuation’ não faz sentido, para mim este IPO não faz sentido.”
A Sadia Halal é um dos mercados de maior crescimento para a BRF. A antiga Sadia exportou seu primeiro frango para o Oriente Médio ainda na década de 70. Hoje, assim como no Brasil, a Sadia é uma marca ‘top of mind’ lá, e a BRF tem 40% do mercado.
Apesar disso, a Sadia Halal ainda depende consideravelmente das exportações que a BRF faz do Brasil, que respondem por 50% do volume vendido na região.
Mas a BRF está investindo pesado para ‘descomoditizar’ o negócio. Em 2014, a empresa abriu em Dubai sua primeira planta de processados na região, que produz hambúrgueres, marinados, frios, pizzas e empanados. Por enquanto, esta planta responde por apenas 10% da receita da região, mas a BRF já está pensando em expandir a fábrica.