Nesta gradual, incessante e desnecessária destruição de riqueza por que passa o Brasil do Governo Lula, duas coisas chamam a atenção.

Primeiro, a suposta incapacidade do Planalto de entender que sua política fiscal é um tiro na cara, pois vai gerar apenas inflação e juros altos na segunda metade do mandato presidencial.

Até agora, a maior parte dos agentes de mercado — gente racional por definição — sempre trabalhou com a hipótese de que o Governo “não entende” as consequências de sua retórica e do rumo que está dando ao tema fiscal.

“Poxa, como podem ser tão burros? Não veem que isso é um tiro no pé?” é uma frase comum de se ouvir de empresários e investidores.

Mas agora, essa absoluta falta de vontade do Governo de emitir qualquer sinal de confiança para o mercado financeiro e o mundo corporativo tem que começar a ser vista por outro prisma. 

E se Lula sabe exatamente o que está fazendo, e na verdade tem um outro cálculo político na cabeça? E se ele pretende dobrar a aposta — gastando tudo o que pode e o que não pode — para garantir sua reeleição e, como pensava Dilma, “a gente conserta no segundo mandato”? 

Os próximos meses mostrarão — talvez a um custo ainda mais alto — se Lula ‘bateu com a cabeça’ não apenas de forma literal. 

Outra coisa que chama a atenção neste momento é a falta de lideranças no Congresso e na sociedade capazes de agir como os adultos na sala.

Em outras crises — neste Governo e no anterior — os presidentes da Câmara e do Senado frequentemente agiram como bombeiros, tranquilizando a sociedade quando o Executivo perdia o rumo e ajustando a pauta legislativa para ajudar o País. 

Agora, no entanto, a infeliz proximidade das eleições nas duas casas congela os senhores Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, cuja única agenda hoje parece ser o atendimento dos interesses pantagruélicos das bancadas. 

Em outras palavras: ninguém vai fazer nada para tirar o Brasil do buraco que o Governo Lula está cavando todo dia — pelo menos não antes de fevereiro. 

Por tudo isso, nesta segunda-feira taciturna o mercado acionou o ‘modo crise’ – evocando cada vez mais comparações com o Dilma 2, um governo que antigamente o PT queria esquecer.

As intervenções do Banco Central não impediram o dólar de fechar a R$ 6,09 – o maior valor nominal na história do Real.

Num ambiente de profunda perda de confiança, a venda de dólares teve o efeito colateral de aumentar os prêmios na curva de juros.

Os vencimentos mais longos viram as taxas abrir cerca de 70 pontos-base só hoje: o rendimento do DI para janeiro de 2029 pulou de 14,62% para 15,27%.

Os contratos vão se aproximando dos níveis mais elevados desde o estresse agudo dos anos Dilma.

Com os rendimentos dos títulos públicos batendo recordes recentes, o Tesouro chegou a suspender duas vezes – de manhã e à tarde – as negociações de títulos prefixados e dos indexados ao IPCA. Era possível apenas comprar Tesouro Selic.

Quando há volatilidade excessiva, o Tesouro opta por paralisar as operações. Na semana passada o ‘circuit breaker’ do Tesouro já havia ocorrido quatro vezes.

“A liquidez diminui no fim de ano. O gringo jogou a toalha, cansou de perder dinheiro e foi embora, e o investidor local está fugindo do risco,” disse o sócio de uma grande gestora.

Os leilões de linha do BC geralmente são uma forma de enfrentar a falta de liquidez sazonal – mas os operadores viram na decisão do BC de fazer intervenções no mercado spot a tentativa de estabelecer um teto para o dólar.

“Em tese, com um BC austero, não deveríamos estar vendo essa deterioração,” disse o economista de outra gestora. “A piora está acontecendo porque há falta de confiança no Governo, e o mercado antecipa o risco de o Governo se ‘financiar’ por meio da alta da inflação.”

O mercado entende que, se o BC interpreta a atual situação como um ataque especulativo, fará novas intervenções – e verá os seus limites serem testados.

O mais recente exemplo da debandada dos estrangeiros – mesmo com a abertura dos juros – foi a decisão do JP Morgan de reduzir a recomendação para os títulos brasileiros de ‘overweight’ para ‘market weight.’

“Vamos esperar pela atual resolução do impasse fiscal – que levará mais tempo e dor do que o previsto,” disse o banco.   

Esta crise — que ainda pode estar só no início — começa e termina com o Presidente Lula, que disse ontem que “ninguém tem mais responsabilidade fiscal do que eu.” Ha. Ha. Ha.

O Presidente foi ‘desmentido’ pelo próprio Tesouro, cujas estimativas divulgadas hoje mostram que o déficit primário deve ser de 0,6% este ano, 0,4% do PIB em 2025 e de 0,2% do PIB em 2026. 

O Tesouro projeta ainda que as metas do arcabouço fiscal serão descumpridas a partir de 2026, caso não haja – adivinha – aumento de receitas.

Lula disse ainda que “a única coisa errada neste País é a taxa de juros, acima de 12%,” porque “a inflação está 4 e pouco, totalmente controlada.”

O dólar em alta, entretanto, deve dar início a uma onda de remarcações, e os juros nas alturas cedo ou tarde baterão na atividade econômica. Lula sabe disso. 

“Estamos em um ambiente de crise generalizada, e o Governo está se fixando muito na situação corrente da economia. O mercado está apenas antecipando os efeitos futuros da atual política, se não houver uma correção,” disse um executivo de mercado.

“O Governo parece subestimar os efeitos do mercado na economia real, na vida das pessoas. É um erro infantil.”

O País está preso num loop em que a retomada da confiança depende de um ajuste que o Governo não parece disposto a entregar.

“Há dez anos, o PT foi contra o ajuste do Joaquim Levy. A crise só se dissolveu com a ruptura política, com o impeachment,” disse outra fonte. “Olha a loucura que estamos falando aqui.”

Pelo menos numa coisa Lula e o mercado concordam.

“Não é o mercado que tem que se preocupar com os gastos do Governo – é o [próprio] Governo,” disse o Presidente. “Porque se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre.”